POR FELIPE COUTINHO
O termo falácia deriva do verbo latino fallere, que significa enganar.
Designa-se por falácia um raciocínio errado com aparência de verdadeiro. Na lógica e na retórica, uma falácia é um argumento logicamente incoerente, sem fundamento, inválido ou falho na tentativa de provar eficazmente o que alega. Argumentos que se destinam à persuasão podem parecer convincentes para grande parte do público, apesar de conterem falácias, mas não deixam de ser falsos por causa disso. (Wikipedia)
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), por seu diretor-geral, Décio Oddone, no afã de defender o indefensável, nos entulha de falácias sobre a economia e a gestão do petróleo no Brasil.
FALÁCIA #1: A recente crise do preço do diesel é resultado da concentração no setor de petróleo e gás
“A recente crise do preço do diesel mostrou o resultado de um modelo que vem fazendo água há tempos: o da concentração no setor de petróleo e gás. ” (Oddone, 2019)
Esta falácia deve ser classificada como de Falsa Causa. Ela acontece quando se afirmar que, apenas porque dois eventos ocorreram juntos, eles estão relacionados.
A Petrobrás detém cerca de 98% da capacidade de refino no Brasil, mas a greve dos caminhoneiros de maio de 2018 e a recente crise relativa ao reajuste do preço do diesel não são consequências disso. São consequências da política de preços iniciada por Pedro Parente, em outubro de 2016, e mantida pelas direções da Petrobrás desde então.
Com maior ou menor concentração no setor, a prática de preços vinculados à variação do preço do petróleo no mercado internacional e superiores aos custos de importação, em períodos de elevação do preço do petróleo e/ou de desvalorização cambial, resultam em preços altos dos combustíveis que motivaram e motivam a mobilização dos caminhoneiros.
Portanto, a crise do preço do diesel é resultado da desastrosa política de preços dos combustíveis, que lhes traz a volatilidade dos preços internacionais do petróleo e a desnecessária paridade destes preços aos custos de importação. Esta política desconsidera que a Petrobrás é capaz de produzir petróleo, refiná-lo e abastecer o mercado de diesel do país. com custos muito menores em comparação com os custos de importação.
FALÁCIA #2: O petróleo caminha para a obsolescência
“O petróleo caminha para a obsolescência, mas ainda não conhecemos o potencial brasileiro, pois grande parte do nosso território segue inexplorada. ” (Oddone, 2019)
Esta falácia é classificada como de Apelo à Consequência e à urgência. Considera uma premissa como se fosse verdadeira porque sua consequência é desejada.
Oddone afirma que o petróleo caminha para a obsolescência e assim deixa subentendido que será substituído por melhores fontes primárias de energia.
Assim, ele apela à urgência para explorar o petróleo, tenta convencer ao seu leitor que o Brasil deve promover aceleradamente a exploração, produção e exportação de petróleo cru por multinacionais estrangeiras. Apesar de nenhum país ter se desenvolvido a partir da exportação de petróleo cru por companhias estrangeiras.
O petróleo é mais do que uma simples mercadoria negociada nas bolsas de valores. É um ativo estratégico para a defesa do Brasil e o desenvolvimento tecnológico e econômico da Nação.
A produção de derivados de petróleo é crucial para garantir a mobilidade de pessoas e de cargas, aumentar a produtividade do trabalho, dinamizar a atividade econômica, além de viabilizar a cadeia de valor das indústrias petroquímicas, de fertilizantes e de transformação. O petróleo e seus derivados são recursos chave na geopolítica internacional e fundamentais para o complexo industrial-militar de defesa.
De acordo com os cenários de referência das instituições da indústria – Agência Internacional de Energia (IEA), Departamento de Energia dos EUA (DOE) – e publicações especializadas, o petróleo continuará sendo a principal fonte primária de energia do mundo, no horizonte 2040.
FALÁCIA #3: A produção dos campos maduros da Bacia de Campos e do Nordeste declina por falta de investimentos
“Os campos maduros da Bacia de Campos e do Nordeste declinam por falta de investimentos.” (Oddone, 2019)
Esta falácia é tipificada como de Causa Complexa. Ocorre quando se supervaloriza uma causa quando há várias, ou um sistema de causas.
O declínio da produção em campos maduros é resultado do esgotamento das reservas, com a elevação dos custos de produção e a redução da produção de petróleo em relação ao gás natural e/ou à água utilizados nas técnicas de recuperação.
Os investimentos podem retardar o início do declínio e reduzir sua velocidade, mas estão submetidos às restrições econômicas e da natureza das reservas.
FALÁCIA #4: O Brasil se tornou exportador de petróleo cru e importador de combustíveis porque não há refinarias suficientes
“Por não ter refinarias suficientes, nos tornamos um exportador de petróleo que importa combustíveis. ” (Oddone, 2019)
Esta é uma falácia de Terceira Causa. Trata-se de ignorar a existência de uma terceira causa, não levada em conta nas premissas.
O Brasil se tornou importador relativamente crescente de combustíveis, pela política de preços adotada pela direção da Petrobrás, desde outubro de 2016.
Com preços altos em relação ao custo de importação, o diesel da Petrobrás fica encalhado nas suas refinarias e parte do mercado brasileiro é transferido para os importadores. A ociosidade das refinarias brasileiras aumenta, há redução do processamento de petróleo e da produção de combustíveis no Brasil. Aumenta a exportação de petróleo cru.
Combustíveis produzidos nos EUA são trazidos ao Brasil por multinacionais estrangeiras da logística e distribuídos pelos concorrentes da Petrobrás.
A Petrobrás perde com redução da sua participação no mercado. O consumidor paga mais caro, desnecessariamente, com o alinhamento aos preços internacionais do petróleo e à cotação do câmbio.
Ganham as refinarias dos EUA, as multinacionais da logística e as distribuidoras privadas. Também são beneficiados os produtores e importadores de etanol, com a gasolina relativamente mais cara que perde mercado.
A exportação de petróleo cru se deve à redução do seu processamento nas refinarias brasileiras que se tornaram ociosas, assim como pela elevação da produção de petróleo no país.
Em 2018, 24% do diesel consumido no Brasil foi importado, a maior parte (84%) veio dos EUA. Se o fator de utilização do parque de refino da Petrobrás – em 2018 de apenas 76% – tivesse sido igual ao de 2014, de 98%, se importaria perto de 5% do diesel consumido no país.
A capacidade de refino nacional é compatível com nosso mercado atual de combustíveis, o problema é que ela é subutilizada em consequência da desastrosa política de preços adotada desde 2016.
Cabe registrar que novos investimentos no Refino, Transporte e Comercialização são necessários, considerando que o consumo per capita de energia no Brasil é relativamente baixo e que devemos promover o crescimento econômico e o desenvolvimento humano e social que dependem do aumento do consumo de energia.
FALÁCIA #5: A Petrobrás tem o “monopólio de fato” no refino e por isso o debate sobre os preços contamina o governo
“Como a estatal detém o monopólio de fato no refino, o debate sobre os preços dos combustíveis contamina o governo. “ (Oddone, 2019)
Esta é uma Falácia de Distorção dos Fatos combinada com a Falácia da Terceira Causa.
Oddone parte do princípio de que existe o “monopólio de fato” do refino para depois dizer que ele é a causa do questionamento ao governo sobre o
dos combustíveis.
Desde 1997, não há monopólio no segmento de refino exercido pela Petrobrás. O mercado brasileiro é aberto e competitivo.
A alegação de que existe “monopólio de fato” no setor de refino do Brasil, implicaria na possibilidade da Petrobrás praticar preços acima do nível competitivo e, mesmo assim, não incorrer em perda de mercado (market share).
O aumento expressivo da ociosidade do parque de refino brasileiro em 2017 e no primeiro trimestre de 2018 (quando se aproximou de 30%) também comprova a nulidade do conceito de “monopólio de fato” no refino do Brasil, uma vez que mostra a incapacidade da Petrobrás sustentar preços acima da PPI sem perda de market share.
Tal fato revela um outro conceito econômico associado a estrutura de mercado denominada monopólio, o do Mercado Relevante.
Ao se verificar que a concorrência de um mercado baseado em uma commodity, como a gasolina e o diesel, acontece entre empresas situadas em uma região mais ampla que as fronteiras de um país, deve-se ampliar o Mercado Relevante na qual se insere a análise do monopolista hipotético. Nesse caso, deve-se ampliar para a Bacia do Atlântico, onde se situam as principais concorrentes da Petrobrás, sobre o mercado brasileiro de derivados. (AEPET, 2019)
Mas quais são as verdadeiras causas da “contaminação” do governo pelo debate relativo à política de preços dos combustíveis?
A importância dos combustíveis para a economia se evidencia pelo impacto dos seus preços, em especial do diesel, em custos de produção e preços de tantas outras mercadorias essenciais à vida moderna.
A elevação dos custos dos caminhoneiros e a dificuldade de se elevar os preços dos fretes, sem impactar a viabilidade de diversos setores da economia, levam à questão do preço ao governo que precisa assumir seu papel de regulador da economia e mediador de crises.
Acabar com o falso “monopólio de fato” da Petrobrás no Refino não vai evitar que a questão dos preços dos combustíveis alcance o governo. O Governo não pode se eximir de administrar o País.
FALÁCIA #6: A venda dos ativos da Petrobrás nos levará à modernidade, à competição e à transparência e trará aumento do investimento no setor
“Se a Petrobras vender seus campos maduros, a metade do parque de refino e as subsidiárias que operam na distribuição de combustíveis e de GLP, como anunciou, se o mercado de gás for aberto para a competição, como tem sido discutido, e se a ANP estipular regras claras para a divulgação dos preços, estarão dados os passos mais importantes para modernizar o setor. Em pouco tempo teremos substituído um monopólio por uma indústria competitiva e transparente. Os investimentos crescerão. Os preços passarão a ser ditados pela competição e a ser divulgados de forma transparente, tornando sem sentido potenciais intervenções do governo. ” (Oddone, 2019)
Neste trecho há uma coletânea de falácias. Destaco a Falácia da Teoria Irrefutável. Quando se apresenta argumentos e hipóteses que não podem ser testadas.
Como vimos anteriormente não há monopólio, a onda privatista defendida pode não trazer, e certamente não trará, com ela uma indústria competitiva e transparente.
A desnacionalização da indústria do Refino, Transporte e Comercialização de petróleo e combustíveis no Brasil pode trazer, isto sim, a formação de oligopólios privados de capital estrangeiro que buscam maximizar seus lucros de curto prazo.
É mais provável que haja aumento dos preços e sua vinculação ao preço internacional do petróleo, os lucros do segmento serão remetidos ao exterior, enquanto os bens e serviços serão contratados fora do país.
As desnacionalizações de outros setores da economia demonstram historicamente suas consequências para a economia do Brasil. A alegação de que privatizações trazem maiores investimentos não tem respaldo histórico.
Entre 2009 e 2014, a Petrobrás investiu US$ 292 bilhões, média anual de US$ 48,7 bilhões, em valores atualizados. Esta é a realidade concreta que deve ser contrastada com projeções ilusórias de abundância de capital estrangeiro em investimento produtivo no Brasil.
Por último, mas não por ser menos relevante, a competitividade em mercados com características idênticas a do petróleo – energias, em geral, indústrias de base e comunicações – são, no século XXI, majoritariamente controlados por megaempresas financeiras, que detêm o controle acionário das poucas empresas com tecnologia e economia para neles atuar. Assim, é ilusório imaginar que haverá competição entre empresas de um mesmo dono. O insucesso da política de incentivos para a indústria automobilística, promovido pela ex-presidente Dilma Rousseff (2011/2012), foi uma comprovação desta assertiva.
* Felipe Coutinho é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)