A Fetamce compartilha artigo publicado pela professora de Direito da UFC, Beatriz Xavier. O texto foi veiculado originalmente no Jornal O Povo.
“O estado de calamidade declarado pelo Governo Federal, em virtude da expansão do novo coronavírus no Brasil, repercute nas relações de trabalho com tal gravidade que poderá transformar em definitivo o direito do trabalho brasileiro. Infelizmente, no sentido da desvalorização do trabalho e do trabalhador.
As normas brasileiras que regulam as relações de trabalho já haviam sofrido alteração em 2017. Pela “reforma trabalhista”, muitos dos direitos mínimos dos trabalhadores agora podem ser flexibilizados, ou seja, negociados num patamar inferior ao mínimo garantido pela lei.
Naquele cenário já se vislumbrava a opção do Brasil pela redução do papel do Estado frente às relações de trabalho. Pela lei, o negociado passou a prevalecer sobre o legislado, em nome de um suposto incremento nas taxas de empregabilidade. E, ainda que mediante negociação coletiva promovida pelos sindicatos, a rede de proteção dos trabalhadores, antes fixada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), deixou de ser, em maior grau, uma preocupação do Estado.
Diante da pandemia, o Governo Federal sentiu-se autorizado a precarizar ainda mais as relações de trabalho. A inconstitucional Medida Provisória (MP) 927/2020 sinaliza um afastamento maior do Estado nestas relações. Pelo texto da chamada MP da Morte, direitos dos trabalhadores podem ser reduzidos mediante a negociação direta e sem representação sindical.
Mesmo que afirme que o objetivo seja a preservação do emprego e da renda, a MP não cria obstáculo à dispensa imotivada de empregados ou protege a renda do trabalhador. Diversamente, facilita a dispensa sem justa causa, pois posterga os prazos para recolhimento de FGTS e possibilita a redução de jornada e redução de salário mediante acordo individual. Ao mesmo tempo, reduz a atuação dos já combalidos auditores fiscais do trabalho e ignora o papel das entidades sindicais na representação dos direitos dos trabalhadores.
Comemoramos a revogação do artigo 18, que possibilitava a suspensão dos contratos de trabalho sem remuneração, mas é preciso lutar pela revogação total da citada Medida Provisória. Mais do que isso, é preciso chamar o Estado brasileiro à responsabilidade e exigir a garantia de condições mínimas de dignidade para os trabalhadores e de estratégias que viabilizem a continuidade das atividades econômicas.”