Texto originalmente publicado na Revista F – 6ª edição – destaca os motivos para grandes fortunas ainda não pagarem impostos em nosso país
Numa tentativa de rechaçar completamente qualquer possibilidade de instituição de um Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), os porta-vozes do Mercado no Brasil trataram de lançar fogo sobre a opinião pública argumentando que a proposta seria ineficaz. Na avaliação deste segmento, o imposto só aumentaria a carga tributária brasileira e poderia gerar evasão fiscal.
Apesar de defenderem as reformas trabalhista e da previdência, além da Emenda Constitucional do congelamento dos gastos públicos, os empresários e milionários do país passaram a afirmar, quando o assunto é este, que o Brasil não enfrenta os mesmos problemas de endividamento da Europa e dos Estados Unidos.
Os conservadores argumentam que um imposto como esse, confiscatório, afugentaria os ricos e resultaria em um menor crescimento do país, o que seria, no entendimento deles, ainda pior para a nossa economia.
A proposta dos impostos sobre fortunas voltou à tona no âmbito internacional após a crise de 2008, e, mais recentemente, com o sucesso do livro “O Capital No Século XXI” (2013), do economista francês Thomas Piketty, para quem não discutir impostos sobre riqueza é loucura. Para Piketty, o ajuste da desigualdade de riqueza em todo o mundo deve passar por um imposto sobre a riqueza global, de modo que haja uma cooperação entre os países sobre os ativos financeiros transfronteiriços.
De acordo com um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a literatura internacional mostra que os impostos sobre riqueza, bem como os impostos sobre herança, são os mais eficazes em termos distributivos. Para que a arrecadação seja alta e eficiente, o país deve ser desigual em termos de riqueza, e contar com muitas famílias muito ricas, o que é o caso do Brasil. Além disso, a incidência do imposto deve ser sobre pessoas físicas e jurídicas, a tributação deve ser especial para não residentes e deve haver severas normas contra a evasão fiscal.
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fernando Zilveti, não vê obstáculos para o imposto sobre ricos, porque o rico não paga imposto como pessoa física no Brasil. “Quando uma empresa tem um determinado lucro, como pessoa jurídica ela recolhe o imposto. Mas na distribuição do resto do lucro, o dinheiro entra limpo no bolso do empresário”, diz Zilveti, que também discorda da tese da supertributação, uma vez que o tributo está previsto na Constituição de 1988.
A revolta é grande. Existem sites que se colocam contra a medida, como o Mises Brasil, que possui texto de raiz ultra-liberal, defendendo absurdos como o fim da Justiça do Trabalho. Além disso, os jornalões a cada nova campanha em torno do Imposto, se pronunciam de forma voraz, a exemplo de editorial do O Globo, de junho de 2016, que tinha como título “Ilusões com o imposto sobre ‘grandes fortunas’”. O Globo desclassifica os defensores da medida, e ainda diz ser fruto de um “imaginário das esquerdas”, apesar de estar no texto constitucional.
Mas a realidade mostra o contrário. Na verdade, quase todos os países da Europa Ocidental já adotaram um imposto deste tipo. Mesmo sociedades mais liberais, como Reino Unido e Estados Unidos implementaram uma forte tributação sobre heranças, que contribui para equilibrar problemas distributivos.
Com a medida, houve tendência de crescimento da arrecadação e do número de contribuintes em países como França, Uruguai e Argentina, os dois últimos nossos vizinhos.
Atualmente, na Europa, a Holanda, a França, a Suíça, a Noruega, a Islândia, Luxemburgo, a Hungria e a Espanha possuem o imposto sobre riqueza. Cada país possui uma estrutura de taxação diferente, mas o resultado comum é a cobrança de impostos sobre os patrimônios mais elevados.
É uma demanda que não pode passar sem que seja de fato debatida no Brasil. Se os impostos daqui fossem mais direcionados a taxar a riqueza, a partir de impostos sobre transferências bancárias ou heranças, seria possível começar a equilibrar essa conta. O Brasil tem uma boa quantidade de famílias passíveis de serem tributadas. No ranking das famílias mais ricas do mundo, o nosso país está em 7º lugar, acima de países como Holanda, Suíça e Argentina, que tributam riqueza.
A tributação de grandes fortunas, como afirma Thomas Piketty, trata-se de uma questão global. Enquanto houver paraísos fiscais, a taxação dos mais ricos sempre será um desafio, em qualquer lugar do mundo. Mesmo assim, em um país tão desigual em termos de renda e riqueza, como o nosso, esse imposto poderia ser um primeiro passo.
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