Relatores em direitos humanos das Nações Unidas (ONU) recomendam que o Brasil reconsidere seu programa de austeridade fiscal e coloque os direitos humanos de sua população, que está sofrendo duras consequências, no centro de suas políticas econômicas. “Pessoas vivendo na pobreza e outros grupos marginalizados estão sofrendo desproporcionalmente como resultado de medidas econômicas restritivas em um país que já foi considerado exemplo de políticas progressistas para reduzir a pobreza e promover a inclusão social”, disseram nesta sexta-feira (3).
Os relatores lembraram que dados publicados recentemente mostram uma elevação da taxa de mortalidade infantil no Brasil pela primeira vez em 26 anos.
“Esse aumento, atribuído a diversos fatores, incluindo a epidemia de zika e a crise econômica, é causa de séria preocupação, especialmente com as restrições orçamentárias para o sistema de saúde pública e outras políticas sociais, que comprometem severamente o compromisso do Estado de garantir direitos humanos para todos, especialmente crianças e mulheres.”
Segundo eles, algumas das decisões financeiras e fiscais, tomadas nos últimos anos, afetam a garantia de diversos direitos, incluindo à moradia, alimentação, água, saneamento, educação, seguridade social e saúde, e estão aprofundando as desigualdades pré-existentes.
Os relatores afirmaram também que, embora o governo enfatize a existência de medidas para aliviar as consequências adversas dessas decisões econômicas, as informações recebidas indicam que “essas medidas são em grande parte insuficientes”.
“As mulheres e crianças que vivem na pobreza estão entre as mais atingidas, assim como a população afrodescendente, as populações rurais e as pessoas que vivem em assentamentos informais”, disseram os relatores. “Lamentamos que os esforços em relação às políticas direcionadas que abordam a discriminação sistêmica contra as mulheres não tenham sido sustentados”, acrescentaram.
Eles enfatizaram ainda que as medidas de austeridade nunca devem ser vistas como a única ou primeira solução para os problemas econômicos, especialmente considerando seu impacto nos mais vulneráveis.
“Existe um equívoco frequente entre governos e instituições financeiras internacionais de que as crises econômicas podem justificar todo e qualquer corte nos serviços essenciais e nos direitos econômicos e sociais. Mas exatamente o oposto é verdadeiro. As medidas de austeridade devem ser tomadas apenas com a análise cuidadosa de seu impacto, em particular porque elas afetam os indivíduos e grupos mais desprivilegiados. Elas devem ser consideradas apenas após uma avaliação abrangente do impacto sobre os direitos humanos.”
Tal avaliação, segundo eles, deve contemplar seriamente alternativas políticas menos prejudiciais, como aumentar os impostos para os mais ricos antes que um fardo ainda maior seja colocado sobre os menos favorecidos. Devem ser consideradas ainda medidas para reduzir a dívida pública e recuperar não só a sustentabilidade financeira, mas também social.
Segundo os relatores da ONU, o Brasil, outrora campeão no combate à fome e à desnutrição, está revertendo dramaticamente as principais políticas de segurança alimentar. “Na área de habitação, o programa Minha Casa Minha Vida sofreu cortes drásticos”, lembraram. Em relação à água e saneamento, um terço do orçamento será reduzido de acordo com as previsões de 2018, disseram.
“A Emenda Constitucional 95, conhecida como PEC do teto, que limita os gastos públicos por 20 anos, não deixa nenhuma esperança de melhoria no futuro próximo. Este fato torna ainda mais necessário rever as políticas econômicas sob o prisma dos direitos humanos. Alcançar metas macroeconômicas e de crescimento não pode ser feito em detrimento dos direitos humanos: a economia é servidora da sociedade, não seu mestre”, concluíram.
Os relatores da ONU informaram ter se engajado em um diálogo com o governo brasileiro para manifestar suas preocupações.
Os especialistas da ONU que assinaram o comunicado são Juan Pablo Bohoslavsky (Argentina), especialista independente para a dívida externa e os direitos humanos; Leo Heller (Brasil), relator especial para o direito humano a água e saneamento; Ivana Radačić (Croácia), presidente do grupo de trabalho para a questão da discriminação contra mulheres na lei e na prática; Hilal Elver (Turquia), relatora especial para o direito à alimentação; Leilani Farha (Canadá), relatora especial para o direito à moradia; Dainius Pūras (Lituânia), relator especial para o direito à saúde física e mental; Koumbou Boly Barry (Burkina Faso), relator especial para o direito à educação.
Fonte: CUT