Os ministros consideraram que todos os artigos da lei — que vinha tendo interpretações divergentes nas primeira e segunda instâncias — estão de acordo com o princípio fundamental de respeito à dignidade humana, sendo instrumento de mitigação de uma realidade de discriminação social e cultural.
Depois desta decisão, tomada no julgamento de uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC 19), proposta em 2007, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mesmo plenário entendeu — em ação de inconstitucionalidade ajuizada pelo procurador-geral da República (Adin 4424) -que qualquer ação penal com base na Lei Maria da Penha deve ser processada pelo Ministério Público, mesmo sem representação da vítima. E que não pode ser julgada por juizado especial, como se fosse de “menor potencialidade ofensiva”, mesmo em se tratando de lesão corporal leve.
Nesta última etapa do julgamento das duas ações — que só terminou às 20h30 — também não houve divergência significativa. Mas o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, ficou vencido, por não ter ficado totalmente convencido com a utilidade da “interpretação conforme” dada pelo plenário ao dispositivo da Lei Maria da Penha sobre a incondicionalidade da representação, tendo em vista que sempre há a necessidade de notícia-crime, mesmo que essa notícia seja dada por terceiro.
Marco Aurélio entendeu que cabe ao Estado coibir a violência no âmbito da entidade familiar Marco Aurélio entendeu que cabe ao Estado coibir a violência no âmbito da entidade familiar
Vítimas do silêncio
No seu voto-condutor referente à ADC 19, o ministro Marco Aurélio afirmou que a Lei Maria da Penha “retirou da invisibilidade e do silêncio a vítima de hostilidades ocorridas na privacidade do lar, e representou um movimento legislativo claro no sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo a reparação, a proteção e a justiça”. Ele acrescentou que a lei “legitima a adoção de legislação compensatória a promover a igualdade material sem restringir de maneira desarrazoada o direito das pessoas pertencentes ao gênero masculino”, até por que “a Constituição protege, especialmente, a família e todos os seus integrantes”.
A ministra Cármen Lúcia, ao acompanhar o relator, aproveitou para dar um depoimento de ordem pessoal, como mulher e como magistrada. Desabafou: “Onde e enquanto houver uma mulher sofrendo violência, neste momento, em qualquer lugar do planeta, eu me sinto violentada. Digo isso por que muita gente acha que uma ministra deste tribunal não sofre preconceito. Mentira. Sofre. Há mesmo os que acham que aqui não é lugar de mulher, como ocorreu uma vez, quando uma pessoa — sem saber quem eu era — comentou: ‘Mas também, agora, tem até mulher no Supremo Tribunal’”.
E concluiu: “A Lei Maria da Penha é uma conquista, inclusive com a criação de juízes especializados. Queremos ter companheiros, não queremos ter carrascos”.
Ação penal pública
Ao defender a ação de inconstitucionalidade de sua iniciativa, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, sublinhou que seu principal objetivo era afastar a aplicabilidade da Lei dos Juizados Especiais (9.099/95) aos crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha, a fim de que o crime de lesão corporal de natureza leve cometido contra mulher passasse a ser processado mediante ação penal pública incondicionada, sem depender de representação da vítima contra o agressor. Segundo ele, a necessidade de representação da mulher acaba perpetuando a violência doméstica, pois há dados de que, em 90% dos casos das agressões sofridas pela mulher no ambiente doméstico, a mulher desiste de representar contra o agressor.
O ministro-relator concordou com as razões do chefe do Ministério Público, e proferiu voto para dar interpretação conforme a Constituição ao artigo 41 da Lei Maria da Penha, no sentido de que o processo penal no âmbito da lei de proteção à mulher em ambiente doméstico-familiar independe de representação da vítima.
Este artigo era o principal responsável por interpretações divergentes da lei, e seu texto é o seguinte: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais)”.
O advogado-geral do Senado, na sustentação oral, defendeu o entendimento de que este artigo não se referia à questão da iniciativa da representação penal (se pública ou privada), mas tão somente à aplicação da pena, já que os juizados especiais tendem a aplicar penas alternativas a infrações penais de menor potencial ofensivo.
Marco Aurélio entendeu que cabe ao Estado coibir a violência no âmbito da entidade familiar, sobretudo quando se parte da realidade do dia a dia quanto à violência doméstica contra a mulher. Ressaltou que são “alarmantes” os dados estatísticos referentes à renúncia de representação por parte das mulheres vitimadas. E explicou que isso não ocorre “por livre manifestação da vítima, mas por ela vislumbrar a possibilidade de evolução do companheiro, quando o que acontece é a reiteração dos atos de violência”.
A ministra Cármen Lúcia, ao acompanhar o voto do relator sobre a questão, citou verso de Carlos Drummond de Andrade, segundo o qual “briga de marido e mulher se resolve na cama”, para afirmar que “aqui, entretanto, quem bate não ama”.
Fonte: Jornal do Brasil
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