“O trabalho doméstico é uma atividade realizada principalmente por mulheres negras, conservando a tradição do passado escravocrata ainda hoje presente no Brasil”, afirma o Dieese logo no início de estudo sobre trabalho doméstico no país, divulgado nesta quinta (16). “As características das relações de servidão permanecem na ocupação e se revelam nos altos índices de informalidade, desproteção legal e baixas remunerações.”
Ao analisar efeitos da pandemia de covid-19, o Dieese avalia que a crise “exacerbou as relações de desigualdade existentes no país. E atingiu diretamente o emprego doméstico. “Isso ocorre tanto pelas características da ocupação quanto pela forma como o vírus atinge as relações de cuidados e afazeres domésticos no país”, diz ainda o instituto, que considera o momento oportuno para repensar as relações de trabalho no setor.
“A necessidade de distanciamento social, com o consequente fechamento de escolas e de serviços ligados à alimentação e ao cuidado de pessoas, fez aumentar a carga de tarefas para muitas trabalhadoras, que também ficam expostas à contaminação, por permanecerem exercendo a atividade”, lembra o Dieese. Ao mesmo tempo, grande parte desses trabalhadores “foi dispensada do emprego por causa dos efeitos econômicos da crise e também por ser vista como agente de transmissão da covid-19”.
O levantamento cita alguns exemplos para ilustrar “a maior vulnerabilidade” da categoria. O primeiro óbito em decorrência da doença envolveu uma trabalhadora doméstica de 63 anos, no Rio de Janeiro. Com problemas cardíacos, obesidade e diabetes, ela percorria semanalmente 120 quilômetros, para ir de sua casa, no município de Miguel Pereira, até o bairro do Leblon, na zona sul da capital.
Insegurança e desemprego
Outro caso foi o do menino Miguel, de 5 anos, que caiu do nono andar de um condomínio em Recife. A criança acompanhava a mãe, trabalhadora doméstica, por causa do fechamento das escolas. Enquanto a empregada saía para passear com o cachorro, o menino, sob os cuidados da patroa, ficou sozinho e caiu.
O Dieese cita nota técnica do Ministério Público do Trabalho, com recomendações para empresas e empregadores de trabalhadores domésticas. Entre as sugestões, estão a dispensa temporária da empregada com manutenção de sua remuneração. Sugere ainda flexibilização de jornada (mas não de salário) e, para quem continua na ativa, acesso a equipamentos de proteção.
Mas a tendência continua sendo de redução da mão de obra. Apenas no primeiro trimestre – ou seja, com impacto parcial da pandemia –, houve diminuição de 385 mil postos de trabalho no setor, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, citada pelo Dieese. “Desse total, 254 mil postos de trabalho perdidos são de trabalhadoras sem carteira assinada e 130 mil, das com carteira.”
Em 2018, havia 6,233 milhões de pessoas ocupadas como trabalhadores domésticos, ainda conforme a pesquisa do IBGE – só 27% tinham carteira assinada. As mulheres representavam 93% do total. Eram 5,777 milhões, sendo 3,757 milhões negras. Assim, as mulheres negras representavam 60% de todo o emprego doméstico no Brasil. Perto da metade das 6,2 milhões (46,5%) tinha idade acima de 45 anos.