A Câmara dos Deputados recebeu nesta quinta-feira (2/10) o pacote legislativo da Reforma Administrativa, apresentado em três frentes: uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), um Projeto de Lei Complementar (PLP) e um Projeto de Lei Ordinária (PL). O conjunto, defendido por setores do Congresso e patrocinado por partidos de direita, representa uma das mais profundas alterações já propostas no serviço público brasileiro — com forte impacto sobre os direitos dos servidores e a qualidade da prestação dos serviços à população.
Fim de direitos históricos
A PEC, de autoria do deputado Zé Trovão (PL-RS) e outros parlamentares, restringe direitos que há décadas estruturam a carreira pública. Entre as mudanças mais polêmicas estão:
- Fim da aposentadoria compulsória como punição para magistrados, substituída pela demissão;
- Extinção da licença-prêmio e de vantagens por tempo de serviço, como progressões automáticas;
- Férias limitadas a 30 dias, mesmo para categorias que enfrentam sobrecarga de trabalho, como professores e profissionais de saúde (estes últimos só terão exceção em condições de risco);
- Proibição da conversão em dinheiro de férias e licenças não gozadas, retirando garantias que hoje funcionam como compensação pela precariedade da estrutura pública.
Essas medidas, na prática, significam redução de direitos, maior pressão sobre os trabalhadores e precarização das condições de trabalho.
Supersalários? Na prática, restrição ao conjunto dos servidores
Embora o discurso oficial seja o combate aos “supersalários”, o texto cria limites às verbas indenizatórias que atingem inclusive servidores de médio escalão. Auxílios de alimentação, saúde e transporte passam a ser restritos e limitados a 10% do salário para quem recebe acima de 90% do teto constitucional.
Além disso, o orçamento destinado a essas verbas não poderá crescer acima da inflação, congelando benefícios mesmo diante de aumento de custos básicos, como alimentação e transporte.
Avaliação de desempenho com risco de perseguição
Outro ponto criticado é o novo modelo de avaliação anual de desempenho, que condiciona progressões e promoções ao cumprimento de metas institucionais e índices de produtividade. Apesar de prever recursos e defesas, o modelo aproxima o setor público de uma lógica empresarial, com risco de uso político para perseguir servidores e fragilizar a estabilidade.
Teletrabalho restrito e aumento da pressão
O pacote também regulamenta o teletrabalho, mas de forma extremamente restritiva: no mínimo 80% da jornada deverá ser cumprida presencialmente, e apenas até 20% da força de trabalho poderá atuar remotamente. Além disso, os custos da estrutura ficam a cargo do próprio servidor, um retrocesso frente ao que foi experimentado durante a pandemia.
Cargos comissionados e temporários
Enquanto retira direitos dos efetivos, a reforma mantém espaço para a contratação de temporários, ainda que com regras de seleção simplificadas, e reforça a criação de cargos comissionados, que continuarão sendo ocupados em parte por pessoas sem vínculo com a carreira pública.
Um projeto de desmonte
A Reforma Administrativa reaparece no Congresso quase cinco anos após a tentativa frustrada da PEC 32, do governo Bolsonaro, que foi amplamente rejeitada por servidores e movimentos sociais. Agora, sob nova roupagem, volta a avançar com apoio do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e sob forte articulação de partidos aliados.
Se aprovada, a proposta pode significar um duro golpe para o funcionalismo e para a sociedade, abrindo caminho para maior precarização do serviço público, enfraquecendo a estabilidade dos servidores e reduzindo garantias trabalhistas conquistadas ao longo de décadas.