O bolsolão do MEC virou o maior escândalo de corrupção do governo Bolsonaro

CONLUIO Bolsonaro e Ribeiro em solenidade de valorização dos professores da educação básica: jogo de cena (Crédito: Clauber Cleber Caetano/PR)

Reportagem de capa da revista Isto É detalha o escândalo de corrupção no Ministério da Educação da gestão de Jair Bolsonaro (PL):

Além de inoperante, o Ministério da Educação (MEC) virou um pardieiro, um ambiente sórdido e corrompido. Amparado pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro Milton Ribeiro criou uma estrutura paralela de poder dentro da pasta com o objetivo de obter propinas e vantagens ilícitas de prefeituras de todo o Brasil. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, esse gabinete controla a agenda e as verbas do MEC e é comandado pelos pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura, que não têm cargos no governo e agem como lobistas. Desde o início do ano passado, eles veem intermediando verbas do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE) com os municípios para a construção de escolas, creches e fornecimento de equipamentos e serviços de educação. O esquema envolve um pesado tráfico de influência e para conseguir ter seus pleitos atendidos pelo ministério era preciso aceitar as condições propostas pelos intermediários. Recursos só eram liberados depois da anuência dos pastores, que circulavam com o ministro em aviões da FAB e participavam de dezenas de reuniões internas, mesmo sem função pública. Prefeitos que conseguiam o atendimento de suas demandas precisavam retribuir com dinheiro vivo, barras de ouro, contratos de compra de Bíblia e apoio para eventos pentecostais, promovendo cultos e contribuindo para a construção de igrejas. A situação de Ribeiro se tornou constrangedora e insustentável.

LOBISTAS O pastor Arilton exigia compra de bíblias em troca do acesso às verbas do FNDE; Gilmar (abaixo) é o principal operador do esquema (Crédito:Divulgação)

A bomba estourou no colo de Ribeiro depois que a gravação de uma fala dele em um encontro com prefeitos foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo, segunda-feira, 21. Nela, o ministro escancara a existência de um gabinete paralelo dentro da pasta. “Minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam. E segundo é atender a todos que são amigos do pastor Gilmar. Não tem nada com Arilton, é tudo com Gilmar”, disse Ribeiro. “Então o Gilmar, por que ele? Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar. Apoio. O apoio que a gente pede não é segredo. Isso pode ser publicado. Apoio sobre a construção de igrejas”. O ministro revela que a influência de Gilmar prevalece sobre qualquer atendimento técnico para que uma ou outra prefeitura seja beneficiada pelo governo e que a ordem vem do próprio Bolsonaro. Diz também que busca apoio para a construção de igrejas, algo completamente alheio aos objetivos do ministério e que ofende o Estado laico. Tudo indica que uma das moedas de troca nas barganhas dos lobistas é a criação de facilidades para o a expansão de grupos pentecostais nos municípios beneficiados. É uma escandalosa interferência religiosa na gestão pública. Arilton, por exemplo, distribuia bíblias de sua editora em eventos do MEC.

Divulgação

Ao longo do ano passado, Gilmar e Arilton tiveram 18 encontros com o ministro em seu gabinete, segundo sua agenda oficial. Em outras várias ocasiões, em viagens, eventos e cerimônias o grupo voltou a se reunir. Os dois personagens são líderes evangélicos influentes e transitam com grande desenvoltura no governo desde que Bolsonaro chegou ao poder. Gilmar é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, além de pastor em Goiânia, e Arilton, assessor de assuntos políticos da entidade. Gilmar, considerado um pastor efusivo e espalhafatoso, foi visto ao lado de Bolsonaro pelo menos quatro vezes, desde 2019. Foi ele que organizou naquele ano uma caravana de religiosos ao Palácio do Planalto. Arilton tem uma editora de livros e é lobista profissional.

BARGANHA Arilton, Bolsonaro, Ribeiro e Gilmar apresentam planos do MEC para prefeitos (Crédito:Catarina Chaves/MEC)

Em maio de 2021, em um evento com o ministro, Gilmar declarou que era o responsável do ministério em garantir verbas para as prefeituras. “Nós estamos fazendo o que ninguém nunca fez. Quero agradecer ao ministro e ao presidente porque eles acreditaram nessa proposta”, disse. “Então nós estamos fazendo um governo itinerante, através da secretaria (sic) da Educação levando aos municípios os recursos, o que o MEC tem para os municípios.” Em uma reunião na Bahia, em agosto, na cidade de Coração de Maria (BA), o ministro agradeceu em público aos dois pastores. “Meus amigos Arilton e Gilmar, muito obrigado. As coisas aconteceram também pela instrumentalidade dos senhores”, declarou. Sem cargo no MEC, Gilmar fala em governo itinerante, o que indica que nas suas viagens pelo Brasil ele atua mascarado de funcionário da pasta.

INFLUÊNCIA Arilton e Gilmar participavam regularmente de eventos no Planalto e de reuniões no Ministério (Crédito:Divulgação)

A Procuradoria Geral da República (PGR), na quarta-feira, 23, pediu a abertura de um inquérito no STF para apurar as suspeitas sobre o ministro da Educação. O pedido decorre de pelo menos seis representações feitas por deputados e senadores ao procurador Augusto Aras para que o caso seja investigado. O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), em conjunto com os deputados federais Felipe Rigoni (União-ES) e Tabata Amaral (PSB-SP) e com o secretário municipal de Educação do Rio, Renan Ferreirinha, acionaram a PGR para que Milton Ribeiro seja processado pela potencial prática de improbidade administrativa e de crime de tráfico de influência. Para os parlamentares, o ministro utiliza sua posição para atender demandas pessoais do presidente da República e usa a máquina pública em benefício de um grupo. “Fica evidente que o ministro tem permitido a viagem do grupo de pastores nos aviões da FAB, participação das reuniões internas, envio de verbas públicas de acordo com solicitações dos pastores, além da suspeita de construção de igrejas com dinheiro público”, diz o documento.

Luis Fortes/MEC

No pedido à PGR, os parlamentares também consideram que a laicidade do Estado e das ações governamentais foi violada pelo ministro. Houve outros seis pedidos para que Ribeiro seja convocado para se explicar no Congresso e, inclusive, para que seja criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Diante de fortes indícios de irregularidades, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou uma fiscalização extraordinária em todos os convênios do Ministério, para investigar sua estrutura de governança e identificar possíveis desvios na transferência de recursos financeiros. No oficio que determinou a medida, o ministro do TCU Vital do Rêgo disse vê indicações de que “a priorização na liberação de verbas estaria sendo negociada por pessoas alheias à estrutura formal daquela pasta, com favorecimento a grupos específicos”.

“Essa situação é lamentável porque a gente vê uma repetição de comportamento. É um governo que cria estruturas paralelas de gestão. Já foi assim na Saúde e agora é na Educação”, disse o senador Alessandro Vieira à ISTOÉ. “O presidente e alguns de seus ministros rejeitam as estruturas convencionais. O que se está fazendo se chama lobby, algo que envolve interesses financeiros e não está regularizado no Brasil. A gente tem informação de que depois das audiências dos prefeitos com os pastores ocorria a liberação de recursos.” A deputada Tabata Amaral também identifica um funcionamento distorcido do ministério. “São escandalosos os áudios em que o próprio ministro mostra que o objetivo dele nunca foi a educação”, disse pelo Twitter.

DEFESA O deputado Sóstenes Cavalcante, presidente da Frente Evangélica cobra explicações de Milton Ribeiro e tenta livrar Bolsonaro de qualquer acusação

Ribeiro divulgou uma nota de esclarecimento onde tenta se explicar sobre o ocorrido. Ele não desmente a veracidade do áudio, mas faz malabarismos para negar qualquer transferência de recursos para municípios de forma corrupta. “Diferentemente do que foi veiculado, a alocação de recursos federais ocorre seguindo a legislação orçamentária, bem como os critérios técnicos do FNDE. Não há nenhuma possibilidade de o ministro determinar alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou estado”, afirmou. “Registro ainda que o presidente não pediu atendimento preferencial a ninguém.” Dois dias depois da nota, ele veio à baila em uma entrevista para a CNN, na qual disse que Gilmar está sendo investigado desde agosto por denúncias de corrupção, tentando transferir a responsabilidade para o parceiro. Mesmo assim, teve pelo menos oito reuniões oficiais com ele depois da abertura da investigação.

ASSOMBRO A deputada Tabata Amaral, que assinou o pedido de investigação para a PGR considera que os áudios do ministro são escandalosos e mostram seu afastamento da educação (Crédito:Pedro Ladeira)

Antes de chegar na imprensa, a nota do ministro foi distribuída para os deputados e senadores da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), na tarde de terça-feira, 22 de março. Os membros da bancada religiosa do Congresso — 112 deputados e 11 senadores — ficaram incomodados com as denúncias porque elas aproximam religião de corrupção. O presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), passou o dia conversando com deputados e senadores tentando costurar uma posição conjunta sobre o caso e disse, ao final, em entrevista coletiva, que não ficou satisfeito com as explicações do ministro na nota. “Entendemos que os áudios são sérios e precisam ser esclarecidos”, afirmou. “A nota do ministro não é suficiente para que tudo seja devidamente explicado”. Cavalcante tratou de se distanciar de Ribeiro, reforçando que ele não foi indicado pela bancada, e a blindar Bolsonaro, dizendo que a citação do nome do presidente na gravação é uma “prática da política”.

DENÚNCIA Para o senador Alessandro Vieira, o caso do MEC prova que o governo cria estruturas paralelas em todas as pastas, da saúde à educação: facilidades para liberar recursos (Crédito:Roque de Sá)

O que acontece no MEC é um aparelhamento pentecostal com fins espúrios. Em vez de pensar em educação, que vive uma crise profunda, o ministro enveredou pelo caminho de fomentar a construção de igrejas pelo País e de encher o bolso de pastores lobistas. O projeto de privilegiar o interesse pecuniário e religioso em detrimento do critério técnico na gestão está associado com a guerra ideológica promovida por Bolsonaro.

A estrutura paralela criada pelo presidente e seu ministro se assemelha a outros esquemas de propinas e demonstra que as relações no MEC estão corrompidas e algo precisa ser feito para conter Ribeiro. O foco do ministério, hoje, está orientado para a destruição do Estado laico e não para a melhoria do ensino. Para quem diz que é incorruptível, o escândalo na educação é uma ducha de água fria. Mostra como o governo funciona, sempre criando um núcleo de poder obscuro onde se tomam decisões totalmente desalinhadas com o interesse público.

Por um punhado de ouro

Prefeitos que estiveram com os lobistas Gilmar Silva e Arilton Moura têm narrativas semelhantes de cobranças de dinheiro vivo e de outros pedidos de “ajuda” a projetos religiosos em troca da satisfação de suas necessidades na área educacional. Primeiro vinha um sinal, na casa das dezenas de milhares de reais, e depois um pedido de uma quantia mais parruda, na ordem das centenas de milhares. Assim, Silva e Moura abriam portas no MEC.

ACINTE O prefeito de Luís Domingues, Gilberto Braga diz que lhe foi pedida uma barra do metal precioso (Crédito:Divulgação)

Duas histórias contadas pelo jornal O Globo, dos prefeitos Kelton Pinheiro, de Bonfinópolis (GO), e José Manoel da Souza, de Boa Esperança do Sul (SP), confirmam pedidos de propina inicial que variavam de R$ 15 mil a R$ 40 mil, além da compra de bíblias para financiar projetos de instalação de igrejas.

Outro caso é o do prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), que denunciou Arilton por ter pedido R$ 15 mil para interferir a favor do município. Pediu também uma barra de um quilo de ouro para obter verbas para construção de escolas e creches. Um quilo de ouro custa mais de R$ 300 mil.

Já o prefeito de Ijaci (MG), Fabiano Moretti, conta que o acesso aos lobistas evangélicos tornava imediatamente tudo mais fácil dentro do MEC, abrindo as portas do gabinete do ministro e até da casa de Ribeiro. Moretti conseguiu recursos do FNDE para a construção de uma creche na sua cidade.


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