A Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce) repudia a decisão política tomada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) nesta quarta-feira, 5 de dezembro, onde o órgão conclui que as verbas que a União deve a Estados por ter deixado de completar recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) — que podem chegar a R$ 95 bilhões em todo o país — não podem ser utilizadas para pagamento de abonos, salários, dívidas trabalhistas ou bônus a professores ou servidores públicos.
A Fetamce entende que o posicionamento do Tribunal é contraditório, pois, ao mesmo tempo em que recorre à legislação do antigo Fundef para afirmar que seus recursos destinavam-se às despesas enquadradas como de “manutenção e desenvolvimento do ensino”, previstas no artigo 70 da Lei Federal nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), o órgão de contas da União desconsidera que esta mesma legislação qualificava que no mínimo 60% dos valores anuais creditados na conta do Fundo deveriam ser aplicados na remuneração do magistério e os demais 40% divididos entre o custeio da rede de educação e o pagamento de proventos de outros profissionais das escolas.
Além disso, é consenso no Judiciário a prevalência de decisões judiciais sobre as decisões administrativas ou políticas, como esta do TCU. O assunto, inclusive, é alvo de controversa dentro das próprias instâncias federais, já que em seu posicionamento, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que gere os recursos regulares do Fundeb, discordou do veto ao uso dos valores dos precatórios (pagamentos devidos pela União após condenação definitiva da Justiça) para pagamento de remuneração de professores.
Outra contradição do TCU reside no fato de recomendar aos entes beneficiários dos precatórios do Fundef que elaborem um plano de aplicação dos recursos compatível com as diretrizes definidas pelo tribunal, que incluiu atender às metas do Plano Nacional de Educação, aos objetivos básicos das instituições educacionais e aos respectivos planos estaduais e municiais de educação, especificando os valores envolvidos nas ações que vierem a ser realizadas. O que os conselheiros do Tribunal não levam em consideração é que a valorização de professores e demais servidores de educação são pontos basilares das metas e objetivos de todos os exemplos dados, como os planos municipais, estaduais e nacional de educação.
“A nossa avaliação é que essa decisão do TCU, cheia de discrepâncias, mais parece uma arranjo politiqueiro para permitir que gestores usem os recursos dos precatórios do Fundef da forma que lhes convêm e isso é, aí sim, um crime contra a administração pública, pois a legislação que criou este Fundo definiu os seus recursos como carimbados, com direcionamento claro e objetivo de pagar salários dos professores e custear a rede de educação. Lá atrás o magistério foi penalizado com remuneração menor por conta destas diferenças, agora seria o momento de reparar. O Estado brasileiro não pode incorrer num novo erro grotesco”, avalia Enedina Soares, presidente da Fetamce.
Saiba mais
O Fundef, inclusive, é o antecessor do atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). O período em que a União deixou de complementar os valores foi entre 1998 e 2006. O direito de os Estados receberem a verba do governo foi reconhecido em diversas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). O governo ainda tenta reversão em um recurso na Suprema Corte, em um processo paralelo ao que corre no TCU.
A Corte de Contas já havia suspendido em julho a possibilidade de pagamento a professores sob a argumentação de que, como a verba é indenizatória e extraordinária, não deveria haver uma vinculação de 60% para professores. No julgamento de mérito nesta quarta-feira, 5, reafirmou o entendimento inicial, mas agrupou os argumentos confusos destacados acima.
O órgão de contas informou ainda que essa limitação só diz respeito aos recursos do passado. Os valores novos que atualmente seguem ingressando no Fundeb continuam com a previsão de utilização de 60% para pagamento de professores. O movimento sindical representante do magistério enxerga nisso outra incoerência.
O julgamento manteve também a proibição de que os valores do Fundef sejam utilizados para pagamento de honorários advocatícios. Os diferentes processos dentro do TCU foram abertos diante de indícios de irregularidades na aplicação dos recursos — o que não foi discutido no julgamento do dia e nem provado em nenhuma das deliberações.