Bancada dos Lunáticos apresenta nova versão do Projeto Escola Sem Partido

A dureza de gestos de uma defensora do Escola sem Partido. Foto da Folhapress em ato de estudantes contra a medida durante reunião da comissão temática que acabou arquivando a versão passada do projeto.

Com justificativa fantasiosa, projeto tenta impor censura e pensamento único dentro da sala de aula

Você sabe o que acontece quando se unem as bancadas da bala (armamentista), do boi (ruralista) e da bíblia (evangélicos e católicos carismáticos)? Nós respondemos: cria-se a super bancada dos lunáticos. Isso mesmo. A partir de agora, para tratar dos projetos apresentados no Congresso Nacional do Brasil sem nenhum apreço à realidade e à racionalidade por este grupo de parlamentares, usaremos a expressão “bancada dos lunáticos”, que é uma forma educada de se referir a imbecis.

E entre as primeiras ações da renovada ordem de mentecaptos, estimada hoje em 300 parlamentares, está a nova versão do projeto de Escola sem Partido, apresentado já na abertura do ano, na segunda-feira (04/02). O texto atual traz novidades: quer assegurar aos estudantes o direito de gravar as aulas contra possíveis doutrinações e ainda regular as atividades de grêmios estudantis.

O Projeto de Lei 246 foi protocolado na noite de segunda pela deputada Bia Kicis (PSL-DF). A ideia da parlamentar, no entanto, é que a discussão efetiva só ocorra após o trâmite das pautas econômicas do governo.

O novo dispositivo mantém as linhas gerais do que havia sido discutido no ano passado em uma comissão especial da Câmara, mas que acabou arquivado. Nas mudanças, a retirada de uns e o acréscimo de outros despautérios – que a grande mídia classifica apensa como “pontos polêmicos”.

A proposta legislativa é um delírio, que se baseia em teorias da conspiração sem fundamento com a realidade. Os defensores do movimento falam de um suposto plano da esquerda, que se infiltra nas escolas para “fazer a cabeça” dos estudantes. Mas essa estória é tão verdadeira quando a “invasão alienígena” de Orson Welles, uma das mais clássicas pegadinhas, realizada em uma transmissão de rádio em 1938, nos Estados Unidos.

Educadores, associações de professores, sindicatos de profissionais do magistério e diversas entidades de defesa da educação classificam a ideia como um “cavalo de Troia”, que pretende, na verdade, instituir o autoritarismo como regra nas escolas, limitando a pluralidade de ideias e ainda constrangendo professores.

A nuvem de fumaça dos discursos demagógicos esconde que o “escola sem partido”, se implantado, seria uma espécie de lei marcial contra a contestação social e o pensamento crítico, que só é posto em prática nos mais repressores e totalitários Estados nacionais.

Mas o projeto “escola com mordaça”, apelidado dado pelos críticos, já foi rechaçado em decisões judiciais de várias instâncias e em uma liminar do STF (Supremo Tribunal Federal), que já consideraram inconstitucionais medidas similares a esta.

A nova redação do Escola sem Partido traz um artigo que poderia assegurar aos estudantes “o direito de gravar as aulas, a fim de permitir a melhor absorção do conteúdo ministrado e de viabilizar o pleno exercício do direito dos pais ou responsáveis de ter ciência do processo pedagógico e avaliar a qualidade dos serviços prestados pela escola.” Na prática, seria uma forma de os alunos intimidarem, desrespeitarem e ameaçarem os professores.

No ano passado, a deputada do PSL, que é é cunhada do fundador do Movimento Escola sem Partido, Miguel Nagib, pediu que alunos gravassem professores e os denunciassem. A Justiça determinou a retirada da mensagem, publicada nas redes sociais logo a pós a eleição de Bolsonaro. Essa decisão foi suspensa neste ano.

Várias redes de ensino proíbem o uso de celular na sala de aula. “[O projeto de lei] está ensinando o aluno a se proteger de um molestador”, diz Bia Kicis.

Projeto é Ideológico

Outro elemento é que a proposta de lei é categoricamente machista e LGBTfóbica, ao proibir o debate de qualquer natureza sobre “gênero” e “orientação sexual”.

O fato é que o PL é, na verdade, um claro modelo de doutrinação, pois é baseado sim em uma ideologia, neste caso, a reacionária, que atenta contra o pensamento científico estabelecido hoje e com toda a evolução dos estudos processados nos últimos dois séculos.

Em um dos novos artigos, fala sobre os grêmios, que são organizados por alunos e não por professores.

O artigo 8º diz: “É vedada aos grêmios estudantis a promoção de atividade político-partidária”. Segundo Bia Kicis, o artigo foi incluído para corrigir uma falha dos textos anteriores. Mais uma vez, o documento caminha para inviabilizar a luta por melhores condições de ensino realizada pelos estudantes e também cria mecanismo de censura às manifestações de alunos.

O novo projeto mantém a previsão de um cartaz na sala de aula com os deveres do professor. Também declara que o poder público “não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero”.

Em toda a sua estrutura, é apresentado o termo “ideologia de gênero”, nunca usado por educadores e classificado como outra abstração da mente das toupeiras da nova direita.

Abrangência

As escolas particulares também ficam de fora dessa vez. Estariam sujeitos à lei apenas o sistema público, que inclui escolas e universidades municipais, estaduais e federais. “O projeto tentou melhorar todas as falhas do anterior”, diz Kicis.

Avaliações

Havia previsão de análise no STF em novembro do ano passado, mas o presidente do Tribunal, ministro Dias Toffoli, mudou a ordem dos julgamentos e adiou indefinidamente o processo. Entendimento do Ministério Público Federal diz que o projeto é inconstitucional por impedir o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, negar a liberdade de cátedra e contrariar a laicidade do Estado (por permitir no espaço público da escola visões morais e religiosas particulares).

O projeto de lei do Escola sem Partido foi discutido no ano passado em uma comissão especial. A ideia é que isso ocorra novamente neste ano.

Apesar de ter maioria no colegiado, a Bancado dos Lunáticos acredita que o projeto não conquistou mobilização suficiente para a aprovação, afinal, pesquisa realizada pelo Datafolha mostra que a maioria dos brasileiros é a favor de falar de sexualidade e de assuntos políticos na escola. 54% da população é a favorável ao tema “educação sexual” e expressivos 71% apoiam a abordagem de assuntos políticos.

A lei que pode impor a mordaça na educação também não tem o apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), que em entrevista à Folha disse que a matéria era inconstitucional, e também não é aceita por nomes como o presidente do DEM, ACM Neto, e Olavo de Carvalho, “guru do presidente Bolsonaro”, já declararam ser contra uma lei como essa.

Para Enedina Soares, presidente da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce), “os defensores do Escola Sem Partido só podem fundamentar suas opiniões por meio da falsificação da realidade. Ao contrário do que os eles dizem, as escolas ainda são espaços muito conservadores, onde predomina, infelizmente, o racismo, a homofobia e até a violência contra as mulheres, explica.

A dirigente sindical, que é professora das redes municipais de Fortaleza e Caucaia, enfatizou que é necessário garantir que as escolas sejam montadas na ótica do respeito, com valorização da diversidade. “Ao mesmo tempo, faltam condições de trabalho, os professores ainda são mal remunerados e nossos estudantes não gozam nem das melhores estruturas e nem das melhores oportunidades. A mudança que precisamos é a que estimule mais investimentos e mais qualidade para a educação brasileira, em consonância com a evolução do pensamento científico e com a dimensão de formar cidadãos”, completa Enedina.

 


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