Medida, aprovada na Câmara e que agora segue para o Senado, pode impactar estrutura de cargos e ganhos do setor público, dizem especialistas.
‘Se vai ter cortes na escolas e nos hospitais, por que não nos benefícios dos funcionários públicos?’
Essa é a pergunta que vem se multiplicando nas redes sociais desde que o governo Michel Temer apresentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que pretende amenizar o rombo nas contas públicas.
Na terça-feira (25), o texto foi aprovado em segundo turno pelo plenário da Câmara e agora segue para o Senado. Na Câmara Máxima do país, o conteudo passa a tramitar como PEC 55. Ele estabelece um teto para o crescimento das despesas públicas federais e tem recebido muitas críticas por alterar o financiamento em duas áreas essenciais para o bem-estar da população: saúde e educação.
Mas como a PEC afeta os servidores?
Segundo especialistas consultados pela BBC Brasil, há três tipos de impacto.
O primeiro deles está descrito na proposta: caso o limite de gastos seja descumprido por um Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) ou órgão, o mesmo não poderá conceder aumentos para seus funcionários nem realizar concursos públicos. Outras sanções são impedir a criação de bônus e mudanças nas carreiras que levem a aumento de despesas.
As medidas funcionam como uma forma de punição se a conta não fechar.
Há também consequências que não são citadas na PEC, mas podem vir após sua implementação, como o congelamento de salários e uma discussão maior sobre distorções do funcionalismo público do país.
Salários congelados
De acordo com os especialistas, existe a possibilidade de que, com a aprovação da proposta, os funcionários públicos deixem de ganhar reajuste e não tenham suas remunerações corrigidas pela inflação – mesmo com o cumprimento do teto.
Isso acontece porque o teto é global e vale para todos os custos de um Poder ou de um órgão. Dessa forma, se o Executivo tiver que dar mais verba para as escolas, por exemplo, poderá segurar as remunerações de seus empregados.
Na prática, isso equivaleria a reduzir os salários, porque a inflação – medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – é quanto poder de compra o dinheiro perde em determinado período. Sem a correção, é como se o pagamento diminuísse, porque o mesmo valor compra menos que antes.
Em 2015, 20% das despesas do governo federal foram com pessoal. O percentual deve crescer mais com os aumentos concedidos neste ano.
Em julho, o presidente Michel Temer sancionou uma lei que concedeu reajuste de até 41,47% nos salários dos servidores do Judiciário e aumento de 12% para analistas e técnicos do Ministério Público da União.
No entanto, o que mais prejudica as contas públicas é a Previdência desse grupo de mais de 2 milhões de pessoas, das quais 44% são aposentados ou pensionistas.
Mudanças na Previdência
Segundo cálculos do professor de economia da FGV e PUC-SP Nelson Marconi, no ano passado os benefícios pagos a servidores federais somaram R$ 105 bilhões.
Como as contribuições de quem está trabalhando não cobrem esse montante, há um déficit de R$ 92,9 bilhões, próximo ao rombo de R$ 90,3 bilhões do INSS. A diferença é que o primeiro atende a 980 mil pessoas e o segundo, a 32,7 milhões – é onde estão os profissionais da iniciativa privada.
Com uma participação tão expressiva na crise fiscal do país, o fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, não vê outra escapatória a não ser mexer no funcionalismo.
“Pela magnitude do problema, não adianta imaginar que o governo pode reequilibrar despesas cortando passagem aérea, vigilância, segurança, como disse nas outras vezes. Dessa vez vai ter que acertar os grandes grupos de despesas.”
Esse controle, no entanto, está atrelado a alterações no regime previdenciário, uma das principais fontes de gastos.
“Como os valores de aposentadoria têm evoluído ao longo dos anos, para que o teto funcione e não leve ao corte de outras despesas em saúde, educação e investimento, é preciso acontecer uma reforma da Previdência. Se uma continuar a subir, vai ter que contrair a outra”, afirma Marconi.
Para Gil Castello Branco, diante da importância de saúde e educação, que receberam um tratamento diferente nas regras da PEC, os funcionários não devem ser poupados. Ambas as áreas só entram no teto em 2018.
“A despesa com pessoal não é prioritária. Estávamos discutindo se o orçamento de 2016, corrigido pela inflação, seria suficiente para saúde e educação, e vimos que não. Por isso, veio esse tratamento especial. Se estamos aumentando os gastos ali, não vamos podemos fazer isso com os servidores.”
Missão do funcionalismo
Os entrevistados se mostram céticos quanto à capacidade do governo Temer de implementar mudanças tendo em vista a pressão dos grupos interessados e da instabilidade política do país.
“Não vão conseguir comprar tanta briga ao mesmo tempo. Não vão mexer em tantas reformas. Não tem estabilidade e não dá tempo”, diz Nelson Marconi.
Membros do Legislativo e do Judiciário têm força para inviabilizar esse debate e ainda garantir reajustes durante uma crise fiscal, argumenta a coordenadora de Pesquisas do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Patrícia Pelatieri.
Isso porque têm mais autonomia e questões relacionadas a aumentos, por exemplo, são legisladas ou julgadas por eles mesmos.
Desafios
“Nem todos os funcionários têm tratamento isonômico, alguns podem ter reajuste mais forte em detrimento de outras categorias. Quem trabalha nos ministérios, na saúde, na educação, não tem o mesmo poder de quem trabalha no Legislativo, no Banco Central, na Receita.”
Segundo a pesquisadora, sem espaço para o crescimento da folha de pagamento e com as sanções previstas na PEC, o teto deve levar à redução do número de funcionários públicos, o que poderia poderia afetar ainda mais os hospitais e escolas do país.
Fonte: Fetamce