Reforma mira elite do funcionalismo, mas servidores temem efeito cascata

A Câmara dos Deputados deve retomar, em agosto, a discussão sobre a reforma administrativa com um novo pacote de medidas elaborado pelo grupo de trabalho coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). São 17 propostas que, segundo ele, têm como foco coibir o pagamento de vantagens e “penduricalhos” que, na sua visão, inflacionam os salários da elite do funcionalismo público.

Apesar do discurso de racionalização dos gastos, as propostas não foram oficialmente apresentadas ao Congresso. Pedro Paulo afirma que busca antes o apoio dos líderes partidários, temendo que o texto seja alvo de “sabotagem” — termo usado por ele para descrever a resistência que já derrubou tentativas anteriores de reforma. O deputado diz que prefere uma construção “a muitas mãos” para garantir viabilidade política e evitar o fracasso de iniciativas anteriores.

No entanto, o clima entre servidores públicos é de atenção redobrada. Ainda que o foco, segundo o deputado, esteja nos “supersalários” e benefícios do alto escalão, há receio de que as medidas abram precedentes para uma ofensiva mais ampla contra direitos historicamente conquistados. Experiências anteriores mostram que propostas que começam com foco nos “excessos” acabam, muitas vezes, atingindo categorias amplas do funcionalismo, especialmente nas bases.

A presidenta da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce), Enedina Soares, critica o modo como a reforma vem sendo conduzida:
“Mais uma vez, tentam passar uma reforma sem ouvir os verdadeiros trabalhadores e trabalhadoras do serviço público. Alegam combater privilégios, mas é nos municípios, onde estão os menores salários, que os efeitos recaem primeiro. Não aceitaremos que direitos conquistados com muita luta sejam atacados em nome de ajustes seletivos”, afirma.

As 17 sugestões estão prontas para serem inseridas em três instrumentos legais distintos: uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), um Projeto de Lei Complementar e um Projeto de Lei Ordinário. Sete delas já foram antecipadas por Pedro Paulo à imprensa:

  1. Transparência obrigatória

Todos os atos remuneratórios passariam a ser digitais, rastreáveis e públicos, permitindo fiscalização social e dos Tribunais de Contas.

  1. Fim dos retroativos sem decisão judicial definitiva

Pagamentos retroativos determinados por resoluções administrativas de conselhos do Judiciário e do Ministério Público deixariam de ser válidos, exigindo trânsito em julgado para liberação.

  1. Corte na “cobertura de vacância”

Membros do MP não receberiam extras por ocuparem temporariamente cargos vagos. Também se extinguiria o pagamento em dinheiro por folgas e a extensão de benefícios semelhantes à magistratura.

  1. Limite para adicional de férias

O adicional de férias ficaria limitado a um terço do salário, encerrando interpretações que permitem aumento para até 50%.

  1. Teto real para penduricalhos

Congelamento, em termos reais (descontada a inflação), do total que cada Poder pode usar para bônus e indenizações.

  1. Divulgação de folhas de pagamento de honorários

Rateios de fundos de honorários de procuradores e advogados públicos passariam a ser públicos, eliminando o caráter de “conta privada”.

  1. Limitação de secretarias em pequenos municípios

Cidades com arrecadação própria inferior a 50% da receita total teriam número de secretarias limitado, conforme faixas semelhantes às usadas para definir número de vereadores.

Embora o discurso oficial seja o de moralização e racionalização dos gastos públicos, a ausência de diálogo com os servidores e entidades representativas levanta questionamentos. Reformas anteriores mostraram que, mesmo quando se promete atacar os “excessos”, os cortes acabam recaindo sobre os trabalhadores da base, que sustentam os serviços públicos no cotidiano.

Resta saber se, com o recesso legislativo encerrado, haverá espaço para um debate democrático e transparente — ou se mais uma vez os servidores públicos assistirão de fora a uma negociação feita nos bastidores.


Warning: A non-numeric value encountered in /home/storage/b/b6/b5/fetamce/public_html/wp-content/themes/Newspaper/includes/wp_booster/td_block.php on line 353

DEIXE UM COMENTÁRIO