
Pochmann se referiu à declaração do ex-presidente Lula, feita em Fortaleza no último sábado (02). “Se tudo der certo, e a Suprema Corte aprovar, quinta-feira eu assumirei a Casa Civil. Este país tem que mudar a economia, gerar emprego e renda para as pessoas”, disse Lula para milhares de manifestantes que lotaram a Praça do Ferreira.
Crítico da política econômica do país, Márcio Pochmann afirmou que o modelo atual levou o Brasil ao segundo ano consecutivo de recessão. “Lula estimulava a demanda. Dilma estimula a oferta de dinheiro para os ricos investirem na economia”, comparou.
Governabilidade construída nas ruas
A exemplo do ex-presidente Juscelino Kubitschek (1956/1961), o economista afirmou que a governabilidade do Brasil não deve ser alcançada no Congresso Nacional. “O Plano de Metas de Juscelino foi construído nas ruas, não no Parlamento. E é o que estamos fazendo: construindo a maioria, a governabilidade, a partir das ruas”, afirmou. “Precisamos voltar a conversar com as pessoas, como fazíamos nos anos 80, 90”, lembrou.
Apesar de reconhecer os avanços dos dois governos Lula (2003/2010) e do primeiro governo Dilma (2011/2014), o presidente da Fundação Perseu Abramo enfatizou que nestes três governos não houve uma reforma profunda porque não se teve maioria política para isso.
Sindicatos não formaram para a transformação
Márcio Pochmann também criticou o movimento sindical. Segundo ele, os sindicatos estão desconectados com a realidade e não conseguiram formar quadros para liderar o processo de transformação social. “1,5% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil é administrado pelos sindicatos, que têm a maior imprensa do país, muito mais jornalistas que a Globo e a Folha de São Paulo, e produzem uma imprensa ruim, fragmentada, que não politiza”, avaliou.
Ele citou o caso do Fórum Nacional do Trabalho, criado para debater com empregados, patrões e governo a democratização das relações do trabalho, a partir da implementação da reforma sindical e trabalhista. “Não se conseguiu formalizar nenhum projeto de lei. A estrutura sindical virou uma máquina de dinheiro e conservadorismo”, disse.
Onde erramos?
O principal equívoco apontado por Márcio Pochmann foi a crença de que a vitória do projeto democrático popular do PT, nas eleições presidenciais de 2002, colocaria os trabalhadores no poder. “A vitória de 2002 não foi suficiente. Não ganhamos o poder. Foi o início de um grande ciclo de lutas que só nos permitiu recuperar o que o neoliberalismo nos retirou. Não houve espaço para reformas”, enfatizou.
No caso do programa Fome Zero, o economista afirma que o governo federal perdeu a oportunidade de transformar a população de miseráveis em atores políticos relevantes. “Inicialmente, o programa visava a organização dos pobres, mas não houve politização”, destacou. Uma das principais resistências partiu dos próprios gestores municipais. “Os prefeitos pensaram: ‘quem organiza os pobres aqui sou eu’. O conservadorismo das cidades reagiu ao programa. Então, abandonamos o Fome Zero, introduzimos o Bolsa Família”, relembrou.
Inclusão pelo consumo e não pela cidadania
Na migração do Fome Zero para o Bolsa Família, o mesmo erro foi repetido, segundo Pochmann. Para ele, não houve a mobilização dos pobres, mas a transfiguração de potenciais agentes políticos de transformação em meros consumidores. “Novos grupos sociais surgem, mas não se organizam”.
Assim com os trabalhadores não foram organizados, não houve fomento à classe média, na visão do economista. “O capitalismo industrial não tem espaço para a classe média, não tem nível intermediário. Dos 22 milhões de empregos gerados, 90% tiveram remuneração de 1,5 salário mínimo. O país não criou emprego de classe média porque abandonamos a indústria, não temos emprego de qualidade. O que temos é uma classe média conservadora, que se afasta da emancipação, e uma sociedade do serviço, com produtividade baixíssima”, descreveu.
O abandono das reformas civilizatórias
O economista traçou um parelalelo entre a atual conjuntura do Brasil e os anos de 1880 – caracterizado pela crise do Império, a ascensão da República e o nascimento do capitalismo brasileiro – e 1930 – marcado pela grande depressão de 1929, o esgotamento político da República Velha e o surgimento do “Estado Moderno” com o capitalismo industrial.
“Houve o abandono das reformas civilizatórias, como a reforma agrária. Em 30 anos, nos tornamos um país urbano. Se tivesse sido feita, a reforma agrária teria evitado as cidades apartadas hoje no Brasil. Também não foi feita a reforma tributária, que determinou a ausência de progressividade dos impostos sobre renda e patrimônio, nem a reforma social. E hoje, apesar da universalização da educação, temos 40% de analfabetos funcionais”, constata.
Por uma agenda de esquerda para o Brasil
Márcio Pochman aponta o movimento de duas “placas tectônicas”: uma crise econômica de dimensão global, iniciada em 2008, sem solução a curto prazo, e o esgotamento do ciclo político da Nova República. “Saímos da ditadura sem a participação do povo, sem eleições diretas. Temos uma sociedade governada por velhos, que não lideram os novos, que ainda não assumiram o comando. As velhas elites querem continuar mandando e os novos ainda estão engatinhando. O velho ainda resiste”, analisa.
O economista defende a construção de uma nova agenda para o Brasil, que leve em consideração as transformações demográficas do país (aumento da expectativa de vida, redução da taxa de natalidade, as mudanças na família e no papel da mulher na sociedade, etc.) e o trabalho imaterial (a comunicação, a cooperação, o conhecimento, o saber, etc.), de maneira que resulte na alteração da natureza das políticas públicas.
“A população demanda uma agenda política de esquerda, na qual o conhecimento é o principal ativo da sociedade. O problema é que as esquerdas não ofertam essa agenda”, concluiu.
Fonte: Fetamce