O brasileiro nasce numa maternidade pública, estuda numa escola pública, é atendido num posto de saúde público, se interna num hospital público, se aposenta num sistema de previdência pública e é sepultado num cemitério público. Mas parece ainda não entender a real importância dos serviços públicos para a maioria esmagadora da população do país. A contradição foi exposta pelos participantes da live realizada pela TvPT, na noite desta quarta-feira (16), para discutir a PEC da Reforma Administrativa com representantes do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e dos servidores públicos municipais e federais.
A live contou com a participação de Fausto Augusto Jr., coordenador técnico do Dieese, Pedro Armengol, dirigente da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef ), e Vilani Oliveira, presidenta da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam/CUT) e da Confederação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Municipais da Internacional de Serviços Públicos nas Américas (Contram/ISP).
Vilani Oliveira defendeu a posição contrária dos servidores municipais do Brasil e das Américas à PEC 32/20 e destacou: trabalhadores públicos municipais, estaduais, federais, dos Três Poderes, das empresas públicas e das estatais, precisam unir forças para esclarecer o povo sobre os danos da reforma à população e conquistar o apoio de toda a sociedade para combater e derrubar a PEC 32/20.
Não é reforma “Administrativa”. É reforma do Estado
Na disputa da opinião pública, o coordenador técnico do Dieese, Fausto Augusto Jr., apontou vários mitos que precisam ser destruídos. Um deles é o de que a proposta do governo é de uma reforma “Administrativa”. “O que nós temos hoje é uma reforma de Estado, que vai afetar todo mundo – o servidor da ativa, o futuro servidor, o servidor aposentado e cada um de nós, cidadãos brasileiros, trabalhadores da iniciativa privada. (Todos) serão afetados pela reforma, porque ela muda a compreensão do papel do Estado”, explica.
Para a presidenta da Confetam/Contram, a concepção de Estado defendida na reforma é um aceno literal para o mercado sobre a privatização dos serviços públicos. “O governo usa dessa estratégia (para justificar a privatização): sucateia o serviço público para depois dizer à população que o serviço público não é bem prestado por causa dos servidores”, afirma Vilani Oliveira.
O coordenador do Dieese alerta que a reforma proposta de Bolsonaro vai afetar principalmente a população mais pobre, que depende exclusivamente do Serviço Público para garantir acesso a direitos como saúde, educação e assistência social. “Essa reforma não interessa só ao servidor. Ela interessa ao cidadão brasileiro como um todo, que precisa, inclusive, conhecer esse debate para se posicionar”, defende.
Brasil não tem “muito” servidor
O segundo mito pontuado pelo diretor do Dieese é o de que o Brasil tem uma “grande” quantidade de servidores públicos. De acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a cada conjunto de 100 trabalhadores brasileiros, apenas cinco são servidores públicos, menos da metade da quantidade verificada em países da OCDE.
“Não é verdade que tem muito servidor público. Na verdade, no Brasil falta servidor em vários sentidos, inclusive isso está aumentando. Com a Reforma da Previdência, muito servidor se aposentou e a gente não tem a abertura de novos concursos em estados e municípios (para repor) há muito tempo”, reclama.
Maioria dos servidores ganha pouco
O terceiro mito é o de que os servidores ganham “altos” salários. Fausto explica o truque do governo para passar à sociedade a falsa impressão de que os servidores públicos são “marajás”, como cunhou o ex-presidente Fernando Collor de Melo.
“Historicamente, (governos) pegam alguns cargos de carreiras muito específicas – que normalmente são as carreiras que ‘não se mexe’ nas reformas Administrativas, carreiras vinculadas ao Judiciário, à Tributação, à Fiscalização -, e usam como paradigma (modelo) para dizer que o servidor público ganha muito”, afirma.
Para Fausto, a prova irrefutável de que servidores públicos não recebem super salários é o fato de governos enfrentarem dificuldades para compor seus quadros em função da baixa remuneração oferecida em relação ao mercado. “O serviço público tem dificuldade de atrair (profissionais) para serem ministros e (ocuparem) cargos de assessoramento porque o sujeito ganharia muito mais na iniciativa na privada”, compara.
Greves por salário mínimo e piso do magistério
Fausto destaca que um professor no Brasil, por exemplo, ganha a metade do que é pago nos países desenvolvidos e menos do que recebe um docente nos vizinhos Chile e Argentina.
A presidenta da Confetam/Contram completa o argumento, lembrando que, mesmo recebendo baixos salários, os trabalhadores das prefeituras são obrigados a fazer greves para que prefeitos respeitem direitos básicos, como salário mínimo e reajuste do piso do magistério.
“Na saúde do serviço público municipal, a gente vê servidores desempenhando diversas tarefas, que não são das suas carreiras, com salários baixíssimos”, revela Vilani Oliveira.
Dentre os itens previstos na reforma, Vilani destaca a redução dos concursos e o fim da estabilidade dos servidores como graves ataques não só à categoria, mas aos serviços públicos oferecidos gratuitamente pelo Estado àqueles que não poderiam pagar por eles num eventual cenário de privatização.
Clientelismo como regra
A dirigente diz que a mudança é a tentativa de instituir o clientelismo como regra de acesso à profissão de servidor e de escancarar a porteira do serviço público à corrupção. “Vai ajudar prefeitos a fazerem a velha política de contratar amigos, subservientes, o velho toma lá dá cá, o aparelhamento, o loteamento do serviço público”, protesta.
A presidente da Confetam/Contram enfatiza que a estabilidade não deve ser vista como um “privilégio” do servidor, mas uma necessidade do Estado. “Vamos lembrar que muita corrupção foi denunciada por servidores de carreira e muitos que praticaram eram apenas cargos comissionados, os velhos cabos eleitorais dos prefeitos e das prefeitas”, assinala Vilani.
Quebra do pacto social da Constituição
Dirigente da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Pedro Armengol afirma que a Reforma Administrativa e a recente mudança legislativa que reduziu a proteção social no país – como a Emenda Constitucional (EC 95) do congelamento dos gastos públicos, a Lei da Terceirização e as reformas Trabalhista e da Previdência -, são consequências do golpe que depôs Dilma Rousseff da Presidência da República.
Para Armengol, o impeachment sem crime de responsabilidade teve o objetivo de abrir caminho para a implantação de um modelo de Estado ultraliberal no Brasil. “Não tem nada de Reforma Administrativa. É uma continuidade desse projeto ultraliberal, que iniciou no golpe de 2016, como forma de garantir a rentabilidade do capital financeiro. Essa é a lógica de macro política econômica: a quebra do pacto social assinado na Constituição de 1988”, denuncia Armengol.
Veja o programa
Mediado por Isaías Dalle, o programa que discutiu a PEC da Reforma Administrativa do ponto de vista dos servidores públicos municipais e federais permanece gravado e pode ser assistido no canal Youtube TVPTBrasil.