O presidente eleito, Lula (PT), só assume a presidência da República em 1º de janeiro de 2023, mas tem sido alvo de críticas de economistas neoliberais e do mercado financeiro, por ser contrário ao Teto de Gastos Públicos, que o petista, a CUT e a esquerda em geral sempre criticaram.
Essa medida econômica colocada na Constituição brasileira, em 2017, pelo ilegítimo Michel Temer (MDB-SP), congelou os gastos públicos por 20 anos, impedindo investimentos fundamentais e urgentes e áreas como saúde e educação. E, se nada for feito rapidamente, nem o gasto necessário para combater a fome e à miséria Lula terá.
Para explicar o que é teto de gastos e por que ele é ruim para os pobres e bom para os ricos, e ainda por que Lula tem sido criticado por querer alterar a medida, o PortalCUT ouviu dois professores de economia da Unicamp, Marcio Pochmann e Marcelo Manzano.
Eles desmitificam a tese que vem sendo difundida por donos de jornais como Folha, O Globo e Estadão e grandes empresários, como os do agronegócio, de que o futuro governo petista irá afundar o Brasil se não se render aos interesses da elite econômica do país.
Tanto para Pochmann como para Manzano a elite do país carrega um preconceito de classe e tem medo de perder seus privilégios. Ela sabe que se o governo investir mais em políticas sociais vai precisar arrecadar mais dinheiro, inclusive, por meio do aumento de impostos dos ricos e acabar com isenções fiscais de produtos que a maioria da população não consome e não faz diferença na vida delas.
Um exemplo é a redução de impostos que o governo de Jair Bolsonaro (PL) concedeu para equipamentos de jogos eletrônicos a suplementos alimentares, o whey protein, consumido por praticantes de academia, em sua maioria. Apesar da alta nos preços dos alimentos, o presidente não isentou os impostos dos produtos que compõem a cesta básica.
Para os dois economistas o teto de gastos públicos privilegia os ricos e prejudica os pobres que dependem de políticas públicas e sociais.
O que é o Teto de Gastos?
O teto de gastos estabelece que o governo federal não pode investir mais do que a inflação do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em obras e políticas sociais de áreas como saúde, educação, entre outras.
A medida, criada por meio de uma Emenda Constitucional (EC) nº 95, por Temer e aprovada pelo Congresso em 2017, vale por 20 anos, Ou seja, o teto, se não for revogado, prevalecerá até 2037.
O que fica de fora do teto?
Ficam de fora do teto os pagamentos de salários e manutenção do Congresso e das Forças Armadas, as transferências obrigatórias para estados e municípios, os repasses para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), entre outras despesas obrigatórias.
Por que o mercado financeiro tem interesse no teto de gastos?
Segundo o economista Marcio Pochmann, o interesse do mercado é mandar na política econômica do país, reduzindo o papel do Estado na atividade econômica.
“O mercado financeiro diz que se o governo se endividar mais ele não terá como pagar tanto a dívida como os juros dos títulos públicos, que coloca à venda para arrecadar dinheiro, mas, na verdade, o interesse deles é diminuir a atuação do Estado nas políticas públicas, para que eles tomem essa fatia de mercado”, analisa Pochmann.
Eles querem a coisa pronta, querem comprar estatais com interesses econômicos e não políticos. Um governo tem o dever de saber onde precisa ser construída uma escola, mas o mercado quer uma escola onde tenha alunos que possam pagar
É exatamente para diminuir a presença do Estado nessas políticas sociais empurrando as famílias para planos de saúde, para a escola privada, que é o interesse de quem apoia o teto de gastos, acredita o economista Marcelo Manzano.
Ele cita como exemplo o aumento da população brasileira ano a ano. Se o Brasil tem 215 milhões de habitantes e em um ano esse número aumentou para 220 milhões, com o teto de gastos, o governo vai diminuir o valor do dinheiro que em tese seria dividido entre todos os brasileiros.
O economista reforça que para investir é preciso arrecadar e isso passa pelo pagamento de impostos dos mais ricos e é isso que o mercado financeiro não quer, para manter seus privilégios.
Menos investimento, é menos dinheiro para atender as necessidades da população
Em resumo, quem defende a redução do papel do estado na economia, está interessado na privatização das escolas e da saúde, entre outras áreas federais, para oferecer o serviço em troca de altas mensalidades que poucos podem pagar. Foi por isso, que o mercado, os empresários da indústria e das comunicações comemoram a reforma da Previdência que tirou o sonho de milhões de brasileiros de um dia se aposentar e levou milhares a procurar uma previdência privada, o que, em geral, só é bom para os donos das instituições financeiras.
Preconceito com os pobres
Para Marcelo Manzano, a elite brasileira não admite que, por detrás dessa defesa fervorosa do teto de gastos está o preconceito de classe arraigado na sociedade brasileira, como a escravidão e a desigualdade social.
“A elite brasileira não quer dividir espaço nos aeroportos, não quer ver o desenvolvimento do filho da empregada, quer manter privilégios”.
Nenhum país do mundo tem teto de gastos, exceto o Brasil
Hoje, a dívida pública que o Estado tem com brasileiros que compram títulos é de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), algo em torno de R$ 9 trilhões.
Segundo Marcio Pochmann, o argumento do mercado financeiro de que o Brasil pode falir se aumentar a sua dívida pública é uma falácia.
“No Japão, a dívida pública é de mais de 200% por cento do PIB, os Estados Unidos e a Alemanha também ultrapassaram os 100%. Aqui no Brasil o mercado financeiro defende a ideia ultrapassada de que para crescer é preciso diminuir os gastos”, conta.
Este argumento do mercado também é rechaçado por Manzano, que critica a ideia de que se o governo se endividar mais não terá credibilidade, e assim precisa vender mais títulos públicos e aumentar os juros pagos por eles”.
“Isso é um mito alimentado pelo mercado financeiro, tanto que até mesmo o cálculo da dívida foi modificado já no primeiro governo Lula, em 2003. Durante os governos FHC, se levava em conta as reservas cambais que o país tinha, para calcular a dívida líquida. Com Lula, o mercado ‘esquece’ que tem US$ 350 bi em reservas e põe na conta o valor bruto. Somos o quinto país com as maiores reservas cambiais do mundo”, afirma Marcelo Manzano.
Já Pochmann argumenta que um governo pode emitir moedas, cobrar mais impostos, lançar títulos públicos e uma série de medidas para aumentar a arrecadação.
“O argumento de que o Estado tem de agir como uma família que não pode se endividar, não existe em nenhum lugar do planeta. O Estado é o dono da moeda. Nenhum país do mundo faliu”, afirma.
“Além disso, os investimentos do Estado geram emprego, aumento do consumo e consequentemente a arrecadação. O efeito é o inverso do que dizem os economistas neoliberais”, conclui o economista.
O que é o tal mercado
Mercado neste caso não é um lugar onde se faz compras do mês com muitos estão ironizando nas redes sociais. Esses ‘mercados’ que ficam nervosos com Lula, são compostos por grandes empresários que especulam, principalmente com ações na Bolsa de Valores e na compra e venda de dólar e outras moedas.
O mercado é o ambiente onde ocorre a negociação de ativos — como títulos, moedas, ações, derivativos, mercadorias, commodities entre outros bens e ativos com algum valor financeiro. Seus agentes vendem e compram direitos de receber fluxos de dinheiro ou a moeda em que se deseja manter seus ativos.
Ativos, por sua vez, pode ser classificado como tudo o que pode ser convertido em dinheiro de alguma forma. Por exemplo, o dinheiro em banco é um ativo, o estoque da empresa pode ser vendido e virar dinheiro, então é um ativo, o carro da empresa pode ser vendido e virar dinheiro, então é um ativo.
Os mercados de títulos de dívida pública e de câmbio (dólar) são os mais importantes.
Já ‘títulos de dívida pública’ podem ser definidos como o direito de receber um fluxo de rendimentos (juros) do governo.
Diferença entre Lula e Bolsonaro
Nos dois governos Lula (2003 a 2011), não havia teto de gastos e ainda assim, o Brasil não aumentou a dívida pública. Ao contrário, o país conseguiu aumentar a sua arrecadação com geração de emprego e renda e construiu uma reserva cambial de US$ 350 bilhões.
Já Bolsonaro nunca respeitou o teto de gastos. Em quatro anos de seu governo ele furou o valor em R$ 750 bilhões, sem nunca ser incomodado pelo mercado financeiro.
O que se percebe é a diferença de tratamento com Lula, que quer bem menos do que isso: R$ 175 bilhões para manter o Bolsa Família em R$ 600 e mais R$ 150 por criança até seis anos e reajustar o salário mínimo acima da inflação, entre outras ações para combater a fome de 125 milhões de brasileiros que vivem em insegurança alimentar. Ou seja, o “preconceito de classe arraigado na sociedade brasileira”, como disse Manzano.