A fala de Mandetta, titular da Saúde na Dinastia Bolsonaro, durante a abertura do evento nacional, foi carregada de “fake news” e criou animosidade na plenária, que respondeu com 17 minutos de vaias
A abertura oficial da 16ª Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, indicou o descontentamento de gestores, trabalhadores e usuários do SUS com o atual governo Bolsonaro. O encontro reuniu aproximadamente 3 mil pessoas e foi realizado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) – vinculado ao ministério – na noite de domingo (4).
Por volta de uma hora, o grande salão do Pavilhão de Exposições, na capital federal, foi tomado por vaias direcionadas ao ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e sua equipe (com exceção da titular da Sesai, Silvia Waiãpi). Os presentes também gritaram palavras de ordem, como: “Ele não; ele nunca” e “Fora fascista”.
Convidado do evento, Mandetta e sua equipe foram cercados por seguranças numa barreira humana distanciando-o do povo, ato em desalinho ao tema da conferência “Democracia e Saúde”.
Hostilização
As vaias acompanharam os discursos da maioria das autoridades presentes. No caso do ministro, último a falar, o período de tensão se arrastou por cerca de 17 minutos, segundo alguns conselheiros.
O ministro citou escândalos de corrupção em governos anteriores, mau uso de recursos públicos para estar na conferência e disse que quem não usasse verbas públicas da forma correta teria o mesmo destino dos presos na Operação Lava-Jato.
Ao lado de três ex-ministros da Saúde, Agenor Álvares, Arthur Chioro e Saraiva Felipe, Mandetta afirmou que só agora o país chegou “ao momento da democracia”, e “pela primeira vez o Ministério se faz sem toma lá, dá cá”.
Sem ser ouvido e nem deixar de falar, Mandetta alcançou a antipatia explícita da maioria do público ao dizer que doenças como difteria e sarampo “nascem da maior ditadura da América do Sul”, o que é mentira.
Revogação da EC 95
Na avaliação de Nayara Oliveira, delegada eleita para a 16ª Conferência Nacional de Saúde pelo segmento usuária, o primeiro dia surpreendeu.
“Foi uma plenária mais à esquerda do que poderíamos imaginar. Fiz a defesa, em minha fala, sobre focarmos após a conferência na revogação da Emenda Constitucional 95”.
Nayara Oliveira criticou a fala do ministro, que segundo ela, carregada de “fake news graves” e que criou animosidade na plenária.
“Do tipo responsabilizar epidemias de sarampo ao governo da Venezuela. A cobertura vacinal na região da fronteira no Brasil é 18% para este tipo de [doenças] pólio, sarampo…É baixa para caramba. Uma falha no sistema de saúde do Brasil. E ele imputou a responsabilidade à Venezuela”, citou.
Fernando Pigatto, presidente do CNS, foi obrigado a intervir para tentar acalmar o público. Mandetta, por outro lado, continuou alimentando o discurso da polarização.
Conforme publicado no site Outra Saúde, o chefe da pasta disse que teremos duas escolhas: olhar para trás e se utilizar do sistema de saúde e dos espaços que ele oferece para “pequenos, míopes, tacanhos e remoermos os nossos ódios” ou “gigantes, altruístas” sermos defensores de uma história.
Mandetta finalizou o discurso insinuando que a maior parte dos presentes havia viajado com recursos públicos para estar na conferência e que quem não usasse verbas públicas da forma correta teria o mesmo destino dos presos na Operação Lava-Jato. “Quem não faz bom uso de coisa pública, que sejam recebidos na suíte imperial de Curitiba”, disse o ministro ao jornal O Globo.
O ministro saiu sob vaias e gritos de “fascista” e “eu não sou otário, fora Mandetta e Bolsonaro”. Aos jornalistas, minimizou o impacto resumindo que “é normal” ser vaiado e que “as conferências são assim”.
Nayara discorda. “A militância do SUS não está a favor das [ações] do governo Bolsonaro. Bolsonaro faz mal à saúde e a militância do SUS já enxerga isso”.
A médica da Estratégia Saúde da Família em São Paulo, Eline Ethel Fonseca Lima, delegada pelo segmento trabalhadores, concorda com a impressão de Nayara. Segundo ela, o ministro demonstrou bastante alinhamento ao governo Federal e as ações não estão agradando.
“Os delegados que foram votados nas suas bases de origem e representam essas bases não estão de acordo com o projeto proposto através do Ministério da Saúde”.
Segundo ela, a fala do ministro demonstra estreito alinhamento a do presidente Jair Messias Bolsonaro (PSL), incluindo jargões bíblicos, do tipo “quem tem ouvidos, ouça”, “a quem muito lhe é dado, muito será cobrado”.
“As pessoas estão no mesmo sentimento. A maioria pensa que é necessário a gente se juntar numa mobilização para além da conferência nacional. Este não é um fim, mas o meio para o início dessa luta contra tudo que está acontecendo hoje nesse desgoverno, na precarização da Atenção Básica, dos serviços de saúde”, diz.
Segundo Eline Ethel, há uma convergência entre os conselheiros para que esta não seja a última conferência de Saúde. Integrante da Rede de Médicas e Médicos Populares (RNMMP), antecipou também que será apresentada uma moção crítica ao Programa Médicos pelo Brasil.
Com informações e dados do jornal Brasil de Fato