No dia 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da sua lista internacional de doenças mentais em uma Assembleia Geral. Até então, a homossexualidade era tratada como doença e, em alguns países, existia “tratamento”. A data é considerada um marco e é por isso que hoje estamos celebrando o Dia Internacional contra a Homofobia. Mas não acaba por aí, ao longo do tempo, o calendário se tornou uma referência da luta do movimento de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais de combate ao ódio e à violência a que esta comunidade é submetida.
Tratando da violência imposta aos homossexuais, repercutimos abaixo matéria veiculada na quarta edição da Revista F, publicação da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce).
O homocausto brasileiro – homofobia mata!
De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), que produz anualmente o relatório “Assassinatos de Homossexuais (LGBT) no Brasil”, só no ano de 2014 foram documentadas 326 mortes de gays, travestis e lésbicas no Brasil, incluindo 9 suicídios. Isto é, um homossexual é morto a cada 27 horas no país.
A violência contra a população LGBT vem crescendo de forma incontrolável no país. Segundo o professor Luiz Mott, fundador do GGB e coordenador da pesquisa, há mais de três décadas, nos 8 anos do governo Fernando Henrique Cardoso, foram documentados 1023 crimes homotransfóbicos, uma média de 127 por ano. No governo de Lula, o número subiu para 1306, com média de 163 assassinatos por ano. No primeiro governo de Dilma Rousseff, os crimes já atingiram a cifra de 1243, com média de 310 assassinatos anuais.
De 2013 para 2014, houve um aumento de 4,1 % nos assassinatos. Em um quadro mais abrangente, os números mostram que 50% dos assassinatos de transexuais e travestis registrados em todo o mundo aconteceram no Brasil. Só em janeiro do ano passado, foram assassinados 42 LGBTs, uma média de uma morte a cada 18 horas.
Esses dados fazem com que o Brasil continue sendo o campeão mundial de crimes contra LGBTs, segundo agências internacionais. Dessa forma, pode se concluir que o país vive, como explica Luiz Mott, um verdadeiro ‘homocausto’, em comparação ao holocausto, perseguição política, étnica, religiosa e sexual estabelecida durante os anos de governo nazista de Adolf Hitler contra os ciganos e – principalmente – os judeus, na primeira metade do século.
Assim como na ideologia nazista, os homofóbicos pregam o ódio contra aqueles que estão fora dos “padrões” heteronormativos socialmente impostos e reforçados por instituições, como as Igrejas.
Para o coordenador de banco de dados da pesquisa, o analista de sistemas Eduardo Michels, “a subordinação destes crimes é notória, indicando que tais números representam a ponta de um iceberg de violência e sangue, já que nosso banco de dados é construído a partir de notícias de jornal e internet. A realidade deve certamente ultrapassar em muitos as estimativas”, avalia.
Mott completa: “Lastimavelmente, a violência anti-homossexual cresce incontrolavelmente no Brasil”. Ele explica que é urgente a Presidência cumprir sua promessa de campanha de criminalização da homofobia.
PERFIL DAS VÍTIMAS
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L – LÉSBICA 14 (4%) -
G – GAY 163 (50%) -
B – BISSEXUAIS 3 (0,9%) -
T – TRAVESTIS 134 (41%) -
T LOVERS – AMANTES DE TRAVESTIS 7 (2%) -
TOTAL – 326 (100%)
IDADE
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MENOR DE 18 ANOS – 28% -
20 A 60 ANOS – 68%
RAÇA*
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BRANCOS – 54% -
PARDOS – 41% -
PRETOS – 5%
*Faltam informações sobre composição racial de 30% das vítimas.
Distribuição geográfica
Em números absolutos, os estados de São Paulo (50 mortes) e Minas Gerais (30 mortes) tiveram os maiores números de LGBTs assassinados, porém, em termos relativos, Paraíba e Piauí e suas respectivas capitais são os locais que oferecem maior risco a população LGBT. No Brasil como um todo, os LGBTs assassinados representam 1,6 de cada um milhão de habitantes. Na Paraíba, esse risco sobe para 4,5 e 4,1 para o Piauí.
Durante décadas, a região Nordeste teve maior incidência de crimes homofóbicos, mas, pela primeira vez em 2014, o Centro-Oeste emerge como a região mais intolerante, com 2,9 de homicídios de LGBTs para cada 1 milhão de habitantes. O ranking das regiões é completado pelo Nordeste (2,1), Norte (1,5), Sudeste (1,2) e Sul – a região menos violenta, com 0,7 mortes.
São Paulo e Goiás foram os estados que revelaram o maior aumento destes crimes, respectivamente de 29 para 50 e de 10 para 21, enquanto que Pernambuco e Rio Grande do Sul diminuíram. No Centro-Oeste, o Mato Grosso do Sul foi o estado mais violento (3,8 por milhão de habitantes) e o Distrito Federal, o que registrou proporcionalmente menor número de mortes (1,0).
Crimes de ódio com requintes de crueldade
A violência extremada destas execuções confirma o que a Vitimologia (ramo da criminologia que estuda a personalidade das vítimas de crimes) identificou: crimes de ódio com requintes de crueldade, incluindo, em muitos casos, tortura prévia, uso de diversos instrumentos e elevado número de golpes ou tiros.
Das vítimas, aquelas que foram baleadas, receberam de 1 a 15 balaços mortíferos. Dos 11 LGBTs que levaram mais de 10 perfurações por arma branca (faca), três tinham mais de 20, inclusive um gay chegou a ser morto com 46 facadas.
Nossa reportagem privou os leitores de fotos chocantes e descrições ainda mais detalhadas desses cruéis homicídios, que estão documentados na página da equipe de pesquisa do relatório em homofobiamata.wordpress.com.
O padrão predominante é o gay ser assassinado dentro de sua residência, com armas brancas e/ou objetos domésticos, enquanto que travestis e transexuais são mortas na pista, a tiros.
Crimes homofóbicos
O Professor Luiz Mott diz que estes crimes têm um grande agravante: a homofobia, seja ela “individual”, quando o assassino, conforme o pesquisador, tem mal resolvida sua própria sexualidade e quer lavar com sangue o seu desejo reprimido; seja “cultural”, que é a prática de bullying contra LGBTs, por exemplo, expulsando travestis para as margens da sociedade, onde a violência é endêmica; seja “institucional”, quando o Governo não garante a segurança dos espaços frequentados pela comunidade homossexual ou se abstém de certos debates referentes à comunidade, como fez o Palácio do Planalto ao vetar o kit anti-homofobia, debate que você pode aprofundar na reportagem “A Escola e a Homofobia”, desta revista.
Rafael Fernandes, secretário LGBT da Fetamce, lança ainda outra questão: “Ser homossexual, travesti, gay afeminado, enfim, é perigoso diante da intolerância machista dominante na sociedade brasileira, e mesmo quando nós, gays, somos mortos com características de violência doméstica ou latrocínio, somos vítimas do mesmo machismo cultural que leva as mulheres a serem espancadas e perder a vida pelas mãos de seus maridos”, desabafa.
E como erradicar este sangramento?
Para o GGB, a solução contra crimes homofóbicos são políticas públicas efetivas de combate à discriminação e a instituição pelo Estado de medidas de punição específicas. Os números de assassinatos e outras violências só crescem, pois a certeza da impunidade e o estereótipo do gay como fraco, indefeso, estimula a ação dos assassinos e agressores.
Abaixo proposta do GGB para enfrentar a homo/transfobia:
– Educação sexual para ensinar aos jovens e à população em geral o respeito aos direitos humanos dos homossexuais;
– Aprovação de leis afirmativas que garantam a cidadania plena da população LGBT, equiparando a homofobia a crime de racismo;
– Polícia e justiça atuantes nas investigações para punir com toda severidade os crimes homo/transfóbicos;
– Gays, lésbicas e trans como protagonistas no combate aos crimes ao evitarem situações de risco.
O caso Picolina
Um dos casos de crime homofóbico que mais ganhou repercussão no Ceará foi o de Francisco Igor, o humorista “Picolina”, encontrado morto dentro de casa no Bairro Barra do Ceará, na periferia de Fortaleza, no dia 15 de maio de 2013.
Segundo o Comando de Policiamento Ronda do Quarteirão, o corpo do humorista estava em estado de decomposição e o laudo do Instituto Médico Legal (IML) apontou a causa da morte como estrangulamento.
Vizinhos sentiram um mau cheiro dentro da casa do artista e chamaram a polícia. O irmão da vítima, o garçom José Furtado Filho, disse que “Picolina” não tinha residência fixa e que fazia pouco tempo que morava no local.
De acordo com as investigações da polícia, um suposto namorado é apontado pela família e amigos como assassino, porém, até hoje o acusado do crime se encontra em liberdade.
Fonte: Fetamce