Para analista, derrota das candidatas mulheres tem a marca do machismo. “Debater questões de gênero não é discutir só o papel da mulher. É sobretudo discutir o papel do homem”, destaca a professora Mayra Goulart (UFRJ)
Das cinco mulheres candidatas que disputavam o segundo turno das eleições municipais nas capitais, todas foram derrotadas. Entre as 96 maiores cidades do país, apenas oito escolheram mulheres como prefeitas. No primeiro turno, Cinthia Ribeiro (PSDB) foi a única eleita em capitais, vencendo em Palmas (TO). No total, elas haviam vencido em apenas 12,1% das cidades, enquanto 87,9% delas serão comandadas por homens.
Além da baixa representação, chama a atenção a maneira como se deu a derrota dessas candidatas. Manuela D’Ávila (PCdoB), em Porto Alegre, e Marília Arraes, no Recife, foram vítimas de ataques machistas, que buscavam deslegitimar o papel da mulher na política.
“Vejo com muita preocupação, não só pelas derrotas, mas pelo modo como essas derrotas foram construídas, com uma marcação de gênero muito forte. E a misoginia muito forte”, afirma a professora da Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, nesta segunda-feira (30).
Segundo ela, Manuela, mais que uma candidatura, representa uma “ideia”. “Uma ideia de mulher protagonista, que revê esse papel tradicional, conservador, do tipo de mulher e de família que estão querendo ventilar na sociedade. Ela sofreu ataques justamente por ser essa ideia.” A especialista também destacou que Marília Arraes, na reta final da campanha, foi alvo, inclusive, de panfletos apócrifos dizendo que ela era “abortista”.
Para Mayra, esses dados e episódios revelam que os incentivos institucionais para o aumento da participação das mulheres na política são insuficientes. Neste ano, além das cotas de 30% nas candidaturas proporcionais, elas também contaram com proporção equivalente dos recursos do fundo partidário.
Espaços de reflexão
“As instituições são importantes para estimular, mas enquanto a sociedade não se comprometer e engendrar processos reflexivos nos quais questões de gênero e raça sejam discutidas, e as identidades possam ser repensadas para a gente avançar desse bolsão conservador, isso não vai mudar”, apontou.
Segundo a professora, é preciso abrir espaços na sociedade – nas escolas, nos espaços públicos e nas empresas – que estimulem a discussão sobre questões de gênero. “Debater questões de gênero não é discutir só o papel da mulher. É, sobretudo, discutir o papel do homem”, afirmou Mayra. Assim como as mulheres, outros grupos sociais – como negros, homossexuais e deficientes – sofrem da mesma opressão, que é também econômica.
“É muito difícil ser negro. Mas ser negro e pobre é muito mais difícil. Ser mulher e pobre é muito mais difícil. O patriarcalismo é alinhado por uma opressão econômica. Se essas pautas, que a gente chama de identitárias, podem parecer à primeira vista como dividindo os sujeitos políticos em vários polos, tem que se chamar a atenção para algo que articula todas essas formas de opressão. Que é a opressão de renda, a opressão econômica”, destacou.