Conselho Nacional de Saúde recomenda arquivamento do Projeto que equipara aborto legal a homicídio

O Conselho Nacional de Saúde recomendou, ontem (13), ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, o arquivamento do Projeto de Lei nª 1904/2024, e afins,que tratam de alterações no Código Penal quanto ao excludente de punibilidade para os casos de aborto previstos em lei.

A Recomendação “ad referendum” nº 015 de 11 de junho de 2024 sugere também a promoção do debate democrático do tema na Câmara dos Deputados por meio de audiências públicas com a participação da sociedade civil organizada, o que não ocorreu já que o PL foi aprovado em caráter de urgência.

Dentre inúmeras considerações jurídicas que constam no documento, o CNS fundamenta-se também em dados do Monitoramento da Violência de Gênero, publicado em julho de 2023, no 17ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que apontam que o Brasil registrou em 2022, o maior número de estupros de sua história (cerca de 205 por dia), sendo que 68,3% ocorreram dentro de casa e que esses crimes sexuais foram notificados por 74.930 vítimas (56,8% negras), entre as quais, 56.820 eram meninas menores de 14 anos, sendo 10% menores de 4 anos.

Leia a Recomendação completa:

RECOMENDAÇÃO Nº 015, DE 11 DE JUNHO DE 2024.

 

Recomenda o arquivamento do Projeto de Lei nº 1904/2024, e afins,que tratam de alterações no
Código Penal quanto ao excludente de punibilidade para os casos de aborto previstos em lei.

 

O Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Trecentésima Quinquagésima Quinta Reunião Ordinária, realizada nos dias 12 e 13 de junho de 2024, e no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006, e cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e

Considerando que a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 196 e 198, prevê que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” e que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único”;

Considerando que a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu Art. 1º, inciso III, que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento o Princípio da Dignidade Humana, preconizado na Declaração Universal dos Direitos Humanos;

Considerando o Art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”; e o inciso III que estabelece que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

Considerando que a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, determina que “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”;

Considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, estabeleceu, em seu Art. 1º, que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, ou seja, o nascimento é o marco que confere o estatuto legal da pessoa humana;

Considerando que o Brasil é signatário da Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, se comprometendo a “Assegurar que as mulheres e meninas gozem plenamente de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais e tomar medidas eficazes contra as violações desses direitos e liberdades”;

Considerando que o Brasil tem compromisso internacional firmado na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, aprovado em 1994, e da IV Conferência Mundial de Mulheres, de 1995”; que “recomenda a prevenção de abortos inseguros, a revisão das leis punitivas e o pleno respeito pelo direito das mulheres à autonomia sexual e reprodutiva”;

Considerando que a Comissão sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), na 88ª sessão do comitê em Genebra, na Suíça, no dia 23 de maio, recomendou que o aborto seja legalizado e alertou sobre o avanço do fundamentalismo religioso no país, o Presidente da Câmara dos Deputados intensifica a misoginia e o machismo sobre os corpos das mulheres em situação de vulnerabilidade;

Considerando o Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996, que promulgou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994; Considerando que o Art. 3º do Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de

1996, estabelece o direito da mulher ao respeito à sua integridade física, mental e moral;

Considerando o Art. 128 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal Brasileiro), que exclui a punibilidade da prática de aborto nos casos de estupro e de risco à vida da gestante;

Considerando que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou aos governos que priorizem o acesso à contracepção, ao aborto dentro das possibilidades permitidas por lei e à prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis;

Considerando que a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) foi idealizada para ações de saúde que contribuam para a garantia dos direitos humanos das mulheres e reduzam a morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis;

Considerando o objetivo 3 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), de assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades, e a meta 3.7, de assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais;

Considerando as diretrizes e moções aprovadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde, publicadas por meio da Resolução CNS nº 719, de 17 de agosto de 2023;

Considerando o posicionamento do Conselho Nacional de Saúde acerca do tema, através das Recomendações (039/2020 e 064/2021), Nota Pública (19/08/2020,) Moção de Repúdio (03/04/2024) quanto à obstrução ao cumprimento do Art. 128 do Código Penal Brasileiro e quanto à premência de que os serviços do SUS ofereçam “serviços essenciais de saúde para mulheres e meninas, incluindo serviços de saúde sexual e reprodutiva, sobretudo acesso a contraceptivo e ao aborto seguro nas Unidades Básicas de Saúde e Centros de Referência em IST/AIDS”;

Considerando que os dados do Monitoramento da Violência de Gênero, publicado em julho de 2023, no 17ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou em 2022, o maior número de estupros de sua história (cerca de 205 por dia), sendo que 68,3% ocorreram dentro de casa e que esses crimes sexuais foram notificados por 74.930 vítimas (56,8% negras), entre as quais, 56.820 eram meninas menores de 14 anos, sendo 10% menores de 4 anos;

Considerando que o PL 1904/2024, cuja proposta altera o Código Penal, acrescendo dois parágrafos ao Art. 124, um parágrafo único ao Art. 125, um segundo parágrafo ao Art. 126, e um parágrafo único ao Art. 128 tem o objetivo principal de criminalizar meninas e mulheres, vítimas de violência sexual e estupros, gestantes em situação de risco de vida, e profissionais da saúde, impondo as penalidades do Art. 121 do Código Penal, ou seja, homicídio simples em regime de reclusão de 6 a 20 anos;

Considerando que o PL1904/2024 configura uma reedição do PL 434/2021 (conhecido como Estatuto do Nascituro), que previa a obrigatoriedade de pessoas gestarem fruto do estuprador sob pena de prisão;

Considerando que, conforme encontra-se no art. 217-A do Código Penal, o estupro de vulnerável a pena é de 8 a 15 anos;

Considerando que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1.141, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), obteve concessão de medida cautelar para suspensão da Resolução nº 2.378/2024, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que estipula uma nova restrição a realização do aborto legal para vítimas de estupro; e

Considerando que milhares de cidadãs brasileiras perderão acesso à justiça e segurança jurídica, provenientes das taxativas e excepcionais hipóteses legais de aborto na legislação penal brasileira, o que ampliará os já alarmantes índices de morbimortalidade materna, sobretudo, de cidadãs pobres e negras.

Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de Saúde

 

Ao Presidente da Câmara dos Deputados:

I – Que determine o arquivamento do Projeto de Lei nº 1904/2024, e afins, que tratam da alteração dos artigos 124, 125, 126 e 128 do Código Penal quanto ao excludente de punibilidade para os casos de aborto previstos em lei e

II – Que fomente a promoção do debate democrático do tema na Câmara dos Deputados através de audiências públicas com a participação da sociedade civil organizada.

Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Trecentésima Quinquagésima Quinta Reunião Ordinária, realizada nos dias 12 e 13 de junho de 2024.

(Foto de Dandara Arimatéia/Mídia Ninja; com informações do Conselho Nacional de Saúde)


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