Com plantões exaustivos e distância de familiares, trabalho é considerado como “ato de heroísmo”. Agentes acumulam marcas faciais e psicológicas.
Até a última terça-feira, 12 de maio, quando foi comemorado o Dia Internacional da Enfermagem, o Ceará conta com 115 profissionais dessa área para cada 100 mil habitantes, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma proporção pequena, que pode tornar ainda mais difícil a atuação desses profissionais na linha de frente do combate ao novo coronavírus, a Covid-19, no Estado. Com plantões exaustivos e a distância de familiares, agentes acumulam marcas faciais e psicológicas.
Patricia Pantoja, enfermeira assistencial da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac/UFC), atua há 13 anos na profissão e pela primeira vez é obrigada a cumprir rituais de higiene tão “rigorosos e cansativos”. Atuando na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) destinada a pacientes com a Covid-19, a profissional utiliza máscaras, luvas de cano longo, capacete transparente e óculos de proteção. O material, que é necessário devido à alta transmissibilidade do vírus, deixa “marcas nasais” e pesa no corpo, fazendo com que o plantão de 12 horas pareça ainda mais extenso.
“É bastante cansativo, mas a gente não pode brincar com a possibilidade de não fazer só porque cansa”, afirma a enfermeira. Paramentada, Patrícia atende os pacientes na UTI com a esperança de que eles melhorem, defendendo a ideia de que estar na unidade não significa o “fim”, apesar de já ter presenciado a morte de alguns pacientes. “Não é nada fácil. É uma sensação de frustração, de que você não conseguiu fazer o que tinha que fazer”, desabafa a profissional.
Ao contrário de Patrícia, a enfermeira Ivanise Freitas afirma não ter presenciado a morte de pacientes que estavam sob seus cuidados, mas sim uma melhora no quadro de saúde deles. Há dois meses atuando no Hospital Leonardo da Vinci, construído para atender casos da doença, a enfermeira afirma que a evolução positiva dos paciente a deu esperança, fazendo com que ela acreditasse e trabalhasse para garantir um “novo recomeço” aqueles que estão internados.
Trabalhando com a paramentação obrigatória, Ivanise revela ainda usar curativos para evitar as marcas no rosto deixadas pelo uso das máscaras, impossibilitando que o registro do combate à pandemia fique em sua pele, ainda que guardado para sempre em sua memória. Patricia e Ivanise são, de acordo com dados do IBGE, um das 4.554 profissionais de enfermagem que atuam na Capital.
No interior do Estado, como Arneiroz e Antonina do Norte, a realidade é diferente. Além de contar com números bem menores de casos da doença em relação a Fortaleza, que chegou a ter nesta terça mais de 18 mil registros da patologia, esses municípios tem apenas cinco profissionais da área exercendo a função, de acordo com dados da estatística.
Marcas psicológicas
Além das marcas deixadas pelo uso do equipamento de proteção, existem ainda aquelas ocasionadas pela distância da família e pelo medo da contaminação. A enfermeira Patrícia revela que o receio de contrair o vírus a fez criar hábitos repetitivos de higiene, como lavar as mãos, e gerou uma “pressão psicológica” que a faz pensar constantemente se fez o necessário para conseguir não se contaminar pelo vírus.
Em casa, o receio é redobrado. Morando com os pais, que são idosos e por isso pertencem ao grupo de risco, a enfermeira se “isola” em seu quarto e não permite nem mesmo compartilhar o mesmo cômodo ou os mesmos talheres que eles. Devido ao isolamento, Patrícia chama o lugar onde dorme de “torre”, em que escapa às vezes apenas para gritar da janela e ouvir, mesmo que distante, as vozes dos seus pais. Ela afirma que pensou em sair de casa, mas optou por se isolar em um espaço dentro do local pois, por causa exaustão psicológica da profissão, não aguentaria ficar sozinha.
Para Camila Moreira, enfermeira no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Tabuleiro do Norte, interior cearense, a presença de familiares não é uma realidade. A profissional de 28 anos mora sozinha e está sem ver a sua vó, que mora em uma residência vizinha a dela, há mais de um mês, matando as saudades apenas por telefone. Atualmente, Camila foi realocada para atuar em barreiras sanitárias e em associações, verificando a temperatura dos moradores e fazendo um check list sobre sintomas e locais por onde eles passaram.
Mesmo paramentada, ela afirma ter medo de se contaminar. No entanto, a enfermeira garante que a maior exaustão psicológica que enfrenta é aquela provocada pelas notícias de mortes em decorrências da Covid-19. De acordo com a enfermeira, o choro “vem com frequência” sempre quando recebe esse tipo de informação, a deixando angustiada. Para buscar alívio e orientação acerca dos cuidados com a saúde psicológica, ela assiste programas com a temática.
Além das medidas individuais tomadas pelas profissionais como “refúgio” da rotina exaustiva, elas podem também contar com consultas psicológicas realizadas por meio de um chat, criado pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) para auxiliar os profissionais que atuam no Brasil a encontrarem “amparo emocional” .
Na linha de frente do combate à pandemia que está transformado o Mundo, os profissionais dessa categoria, assim como de outras áreas da saúde, arriscam o emocional e o psicológico para resgatar vidas. O gesto revela não apenas um compromisso profissional mas, assim como definido pelo papa Francisco, um ato de “heroísmo”.
Fonte: O Povo